|
Pouso Forçado
Um avião estava tendo problemas na turbina, e o piloto instruiu
a tripulação a dizer aos passageiros que ficassem sentados
e se preparassem para um pouso de emergência.
Poucos minutos depois, o piloto perguntou aos comissários de bordo
se todos estavam sentados e com os cintos afivelados.
“Tudo em ordem, Capitão,” foi a resposta, “exceto
um advogado que ainda está percorrendo a aeronave, entregando cartões
de visita.”
A Grande Crise
Em nove de Av no ano 70 EC as legiões romanas em Jerusalém
irromperam na torre da Fortaleza de Antônia no Templo Sagrado e
atearam fogo. Nos restos enegrecidos do santuário jaziam mais que
as ruínas da grande revolta judaica pela independência política;
parecia que o próprio Judaísmo tinha sido destruído
para sempre.
Dos cerca de cinco milhões de judeus no mundo, mais de um milhão
morreram naquela guerra frustrada pela independência. Muitos morreram
de inanição, outros pelo fogo. Foram tantos judeus vendidos
como escravos e entregues às arenas e circos para lutar contra
os gladiadores que o preço dos escravos caiu rapidamente, cumprindo
a antiga maldição: “Ali vocês serão oferecidos
como escravos, e ninguém desejará comprar” (Devarim
26:68). A destruição foi precedida por eventos tão
devastadores que sob uma perspectiva objetiva, parecia que o povo judaico
tinha dado seu último suspiro.
Era isso que surpreendia um filósofo como Nietzsche, feroz crítico
dos judeus, como ocorreu com tantos pensadores no decorrer dos tempos.
Nas obras Crepusculo dos Ídolos e O Anticristo o filósofo
alemão escreveu: “Os judeus são o povo mais notável
na história do mundo, pois quando foram confrontados pela questão:
Ser ou não ser, eles escolheram, com deliberação
decididamente fora desse mundo, ser a qualquer preço… Eles
se definiram como contrários a todas aquelas condições
sob as quais uma nação previamente era capaz de viver…
Psicologicamente, os judeus são um povo dotado com a mais forte
vitalidade… Os judeus são exatamente o oposto dos decadentes.”
Como os judeus, na verdade, chegaram a isto?
O Abraço dos Querubins
O Talmud relata um acidente profundamente estranho ocorrido momentos antes
da destruição do Templo em Jerusalém:
“Quando os pagãos entraram no Templo Sagrado, viram os querubins
se agarrando um ao outro. Eles os levaram para as ruas e disseram: ‘Estes
judeus… é nisso que eles se ocupam?’ Assim, eles difamaram
[o povo judeu], como está escrito: ‘Todos aqueles que a honraram
a desprezaram, pois eles viram sua nudez. (1).’”
O significado dessas palavras é este: a câmara mais recóndita
do Templo de Jerusalém, o local mais sagrado do Judaísmo,
era conhecido como “Santo dos Santos” e visto como o epicentro
espiritual do universo. Dois querubins de ouro – eram duas figuras
com asas, uma masculina e outra feminina – estavam localizadas no
Santo dos Santos. Estes querubins representavam o relacionamento entre
o noivo cósmico e sua noiva, entre D’us e o povo judeu.
O Talmud ensina (2) que quando o relacionamento entre noivo e noiva estava
azedo, as duas faces eram viradas uma da outra, como ocorre quando cônjuges
estão zangados entre si. Quando o relacionamento estava saudável,
os dois querubins ficavam de frente um para o outro. E quando o amor entre
D’us e Sua noiva estava no auge, os querubins se abraçavam
“como um homem se apega à sua mulher”.
Ora, o Talmud está nos dizendo, quando os inimigos de Israel invadiram
o Templo – na época de sua destruição no mês
hebraico de Av (3) – eles entraram no Santo dos Santos, um local
tão sagrado que a entrada somente era permitida a um único
indivíduo, o Sumo Sacerdote, e apenas em Yom Kipur, o dia mais
sagrado do ano, e ali eles viram os querubins se abraçando? Eles
os arrastaram para fora do Templo e os levaram às ruas, vulgarizando
sua importância sagrada (4).
Isso parece bizarro. Quando os inimigos de Israel invadiram o Templo para
destruí-lo, o relacionamento entre D’us e Seu povo estava
no ponto mais baixo possível, pois aquele era o motivo para a destruição
e o subsequente exílio. Os judeus estavam a ponto de se tornarem
afastados de D’us por milênios. A presença manifesta
da Divindade no mundo, através do Templo em Jerusalém, cessaria;
os judeus e D’us ficariam agora isolados entre si.
Porém, paradoxalmente, foi nesse exato instante que os querubins
se juntaram, simbolizando o mais profundo relacionamento entre D’us
e Israel. Como devemos entender isto (5)?
Preparando-se para a Viagem
A explicação mais ousada foi dada pelo fundador
do Chassidismo, Rabi DovBer. conhecido como o Maguid de Mezeritch (falecido
em 1772). Citando a ordem dos sabios de que um homem deveria juntar-se
à sua esposa antes de partir em viagem, o Maguid sugere que D’us,
antes de Sua longa jornada para longe de casa, expressou Sua intimidade
com o povo judeu. Antes do início de um longo exílio, os
querubins ficaram entrelaçados, representando a intimidade que
precede a viagem (6).
O que o mestre chassídico estava transmitindo através de
sua impressionante metáfora – e este é um tema importante
na filosofia chassídica – era que foi no momento da destruição
que um novo relacionamento entre D’us e Seu povo começava
a se desenvolver. O maior momento da crise foi também um momento
de intimidade. Como o Templo estava em chamas, e com ele grande parte
da vida e história judaicas, D’us impregnou (metaforicamente
falando) uma semente de vida dentro da alma judaica; Ele implantou em
Seu povo o potencial para um novo nascimento.
Durante dois milênios, esta “semente” tem nos sustentado,
dando ao povo judeu a coragem e a inspiração para viver
e prosperar. O Judaísmo floresceu nas décadas e séculos
que se seguiram à destruição do Templo de maneira
sem precedentes: a Mishná, Talmud, Midrash e Cabalá foram
todas nascidas durante estes séculos. As condições
trágicas do exílio foram catalisadores para um rejuvenescimento
sem paralelos. O fechamento de uma porta abriu muitas outras.
Muitos impérios, religiões e culturas tentaram demonstrar
ao povo judeu que seu papel no esquema da Criação tinha
terminado, ou que jamais tinha começado, atraindo-os para a cultura
prevalecente ao redor. Porém a “intimidade” que eles
vivenciaram, por assim dizer, com D’us poucos momentos antes que
Ele “se afastasse” deles, deixou uma marca indelével.
Isso os imbuiu com uma visão, um sonho e um compromisso inabalável.
No decorrer de suas jornadas, muitas vezes repletas de imensa angústia,
eles se apegaram à fé na qual tinham um pacto com D’us
para transformar o mundo numa morada Divina; de curar um mundo fraturado
ansiando por reunir-se com sua verdadeira realidade.
Nascimento
Isso nos garante um profundo entendimento sobre a antiga tradição
judaica (7), que o Mashiach (Messias) nasceu a 9 de Av. No momento em
que o Templo estava para ser engolfado em chamas, o sonho da Redenção
estava nascendo. Houve uma intimidade nas chamas e isso produziu uma semente
oculta que terminaria por trazer cura a um mundo alquebrado. Pense a respeito:
a própria possibilidade para os rabinos daquelas gerações
declararem que Mashiach nasceu em Nove de Av, nada mais foi que o testemunho
da intimidade que acompanhou o afastamento e exílio. Agora finalmente
estamos preparados para o nascimento (8).
Notas:
1 – Talmud, Yoma 54 b.
2 – Veja Talmud Yoma ibid; Bava Batra 99 a.
3 – O 9 de Av é a data da destruição do Primeiro
e do Segundo Templos, pelos babilônios e romanos, no ano 3339 (423
AEC) e 3830 (70 EC).
4 – Talmud Yuma ibid. A Arca do Testemunho, com os querubins no topo
da sua tampa, estavam escondidos numa câmara subterrânea no
Templo 22 anos antes da destruição do Primeiro Templo, onde
eles permanecem até hoje (segundo a maioria das opiniões).
Assim, nem os babilônios nem os romanos teriam encontrado a Arca no
Santo dos Santos. O Talmud explica que os querubins que foram arrastados
para as ruas não eram os anjos em cima da Arca, mas enfeites que
decoravam as paredes do Santo dos Santos e que agiram como um “barômetro”
do estado de casamento entre D’us e Israel.
5 – Essa questão é levantada em Maharsah para Talmud
Yuma ibid.
6 – Citado em Benei Yisachar em seus discursos no mês de Av.
7 – Yerushalmi Berachot 2:4.
8 – Este ensaio é baseado num discurso proferido pelo Rebe
em Purim de 1984 (publicado em Sefer Hamaamarim Melukat vol. 2 págs.
269-270). |