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Por Rabino Avraham
Steinmetz
Publicado na BC News junho, 2014
Semana passada ocorreu novamente um episódio que tem se repetido
por inúmeras vezes: um jovem revoltado ao saber que não
poderia casar-se com uma judia. “Estudei em escola judaica, fiz
bar mitzvá, falo hebraico, fui para Israel ser voluntário,
todos os meus amigos são judeus, e agora vocês me dizem que
não sou judeu porque a conversão da minha mãe não
foi correta?” Fora de si, ele esbravejou: “Isso é discriminação,
vocês são preconceituosos!”
Compreendo sua frustração e solidarizo-me com o rapaz, mas,
para os religiosos judaísmo não é uma nacionalidade,
não se trata de tradição, também não
é uma cultura, nem uma raça. Ser judeu é pertencer
a uma família, faz parte do DNA espiritual, e simplesmente não
há como produzir isso.
Lembro-me das palavras do Rebe sobre conversão. “Depois que
uma pessoa se converte, devemos reconhecer que o que de fato houve não
foi uma conversão. Não existe isso de conversão –
a palavra conversão supõe uma mudança – e não
ocorreu qualquer mudança com esse indivíduo.”
O Rebe continua a explicação da seguinte maneira: em hebraico
há palavras e seus antônimos que invariavel- mente originam-se
de raízes distintas. Por exemplo, um servo que se tornou livre
é eved shenishtachrer, diferentes raízes para eved (servo)
e nishtachrer (libertado). Ou como o Rebe disse, “um homem pobre
que ficou rico” – “oni shenish’asher”: novamente
duas raízes: oni (um homem pobre) e ashir (rico).
Mas quando se trata de conversão, sempre consta ger shenitgaier;
as raízes são idênticas, o que significa um convertido
que se converte em vez de goy shenitgayer (um gentio que se converte).
Portanto, quando uma conversão se dá de acordo com a lei
judaica, devemos entender que trata-se de uma alma que sempre foi judia.
Nada foi convertido, nada mudou. Por razões conhecidas pelo Todo-Poderoso,
essa alma esteve encarcerada na conjuntura de uma mãe não-judia,
e esse é o seu teste, a sua missão. Como há uma centelha
judaica dentro dela que busca ser judia, após sua conversão
reconhecemos que ela sempre foi judia.
Segundo o Código de Leis do Judaísmo, somos exortados a
honrar um convertido mais do que um indivíduo que nasceu judeu,
pois sua alma passou por uma prova muito mais rigorosa. O Rebe afirmava
que um candidato à conversão deveria ser encaminhado a um
rabino versado nas leis de conversão, pois saberemos se aquela
alma é de fato judia somente quando a conversão é
feita de acordo com a lei judaica. Esse é o único mecanismo
externo de que nós, mortais, dispomos para entender algo de natureza
espiritual, se a alma é ou não judia, pois se a conversão
não for “casher”, i.e. feita em conformidade com a
lei – halachá, jamais saberemos. Não é justo
para com o próprio “convertido”, pois nem mesmo ele
saberá quem realmente é.
Uma velha piada ilustra bem a questão. Em Portugal, durante a inquisição,
quando muitos judeus foram obrigados a converter-se ao catolicismo para
salvar suas vidas, numa certa sexta-feira santa, o bispo resolveu bater
à porta de Jacó para verificar se ele estaria descumprindo
a proibição de comer carne naquela noite.
Ao surpreender toda a família tomando sopa de galinha, o bispo
perguntou: “Jacó, você não sabe que comer galinha
hoje é pecado?”
Ao que o ‘cristão-novo’ respondeu: “Mas senhor,
isto é peixe!”.
“Como ousa enganar-me? Isto tem asas, penas, bico... é galinha”.
Mas Jacó insistiu: “É peixe.”
“Como você pode afirmar que é peixe?”, perguntou
o bispo.
Jacó respondeu: “Lembra-se de quando o senhor nos borrifou
com água benta e declarou que de agora em diante somos cristãos?
Fiz o mesmo com a galinha, joguei água benta nela e disse: daqui
para frente você é um peixe!”
Não reconhecer uma conversão que não foi feita segundo
a halachá não é discriminação e muito
menos preconceito por parte daquele que não a reconhece. Imaginemos
a seguinte situação: um amigo seu, corretor de seguros,
lhe vende um plano de saúde. Ele lhe garante que você terá
direito a tratar-se nos melhores hospitais, inclusive no Albert Einstein.
Você acredita nele, paga as mensalidades pontualmente por 20 anos,
até o dia em que fica doente e vai ao Hospital Albert Einstein
à procura de tratamento.
“Com este plano você não tem cobertura aqui”,
é o que lhe dizem lá. Revoltado, você grita furioso:
“Paguei a vida inteira, e agora, quando eu mais preciso, vocês
me abandonam? Isso é discriminação e preconceito!”
Pensemos juntos: de quem é a culpa? Do hospital ou do vendedor
de seguros? Do rabino tradicional ou de quem oferece uma “conversão
com desconto” sem alertar o candidato sobre um crescente segmento
de escolas, sinagogas e judeus que não a aceitam?
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