A casa de Pedro e o carro de João
   
 
 
 

Os chassidim gostam de contar a história de um certo sujeito que era leviano com suas obrigações financeiras. A coisa chegou a um ponto em que seus credores não viram outra alternativa a não ser informar o Rebe da situação. O sábio chassídico chamou o homem e disse-lhe: "É verdade o que me contaram - que você pede dinheiro emprestado e não paga, que compra a crédito e deixa de saldar as prestações?"

"Mas Rebe!" - exclamou o chassid, "O senhor não nos ensinou que o mundo é nada, que as preocupações materiais são nada, que o dinheiro nada representa? Por que estão fazendo tamanho alvoroço por causa de uns poucos rublos? Tudo isso é nada!"

"Neste caso" - disse o Rebe, "que tal se pegássemos este 'nada'" - a esta altura o Rebe apontou para o corpo do seu discípulo - "e o esticássemos sobre este 'nada' (a mesa) e com este 'nada' (seu cinto') déssemos uma dúzia de chibatadas ao primeiro 'nada'?"

Por trás dessa história humorística jaz uma importante questão. Se, como proclama o Salmista, "O mundo, e tudo que contém, é de D'us", existe, na verdade, aquilo que chamamos de "roubo"? Pode alguma coisa que, na verdade, não lhe pertence, ser tirada de você?

Na verdade, D'us disse; "Não roubarás." Estas são as regras do jogo. Mas talvez isso seja apenas - um jogo. D'us está dizendo. "Vamos acreditar que esta casa pertence a Pedro. E acreditemos que este carro pertence a João. Agora, João, você não deve atear fogo à 'casa de Pedro'. E Pedro, você não pode usar o 'carro de João' sem sua permissão." Isso é tudo?


Segundo o Midrash, o Terceiro mandamento "Não Pedroarás o nome do Senhor em vão" e o Oitavo Mandamento "Não roubarás" são apenas um. De fato, a Torá (em Vayicrá 5:20) refere-se à fraude financeira como "uma traição a D'us". "Porque," explica o grande sábio talmúdico Rabi Akiva, "ao fraudar o seu próximo, está fraudando o Terceiro Sócio em seus negócios."

Dessa forma, isso pode ser entendido nas entrelinhas da tese de nossas "regras do jogo". O problema com o roubo não é que a "propriedade" de uma certa pessoa foi violada (pois tudo pertence a D'us mesmo), mas sim que a ordem Divina "Não roubarás" foi transgredida.

Mas se esse é o caso, pergunta o Lubavitcher Rebe, por que Rabi Akiva descreve D'us como "o Terceiro Sócio em seus negócios"? Ele não é o único sócio? Não estamos dizendo que o carro de D'us foi roubado, e o fato de que Ele preferiu registrar o carro em nome de João é basicamente irrelevante?

Mas Rabi Akiva está senso consistente. Lembre-se do versículo: "O mundo, e tudo que contém, pertence a D'us"? Rabi Akiva, citando este versículo no Talmud, interpreta-o como dizendo: "Ele adquiriu, e o legou, e governa Seu mundo." O que isso quer dizer? Não é o mundo de D'us porque Ele o criou? E se Ele o "legou", então não é mais Seu!

O que Rabi Akiva está dizendo, explica o Rebe, é isso: Obviamente, é Seu porque Ele o criou. Mas então Ele desejou fazê-lo Seu de modo mais profundo e significativo - legando-o ao homem.

Ser dono de um mundo porque você o fez é simplesmente sem sentido. Em termos humanos, é como sonhar com uma vida e tentar extrair satisfação da própria fantasia. Para que algo seja real para nós, precisa existir fora de nós mesmos. Para extrairmos prazer de alguma coisa, devemos compartilhar sua existência com outras pessoas.

D'us desejou extrair prazer deste Seu mundo. Eis por que Ele o deu a nós, e pediu-nos para compartilhá-lo com Ele.

Eis porque Ele disse: "Pedro, esta é sua casa. É isso que quero dizer - ela é realmente sua. Agora, ouça o que desejo que faça com ela. Quero que coloque mezuzot - pequenos rolos inscritos com os principais pontos de seu relacionamento Comigo - nos batentes. Quero que sua cozinha seja casher. Desejo que seu lar seja um local que abrigue uma vida familiar moral, um lugar onde a hospitalidade seja estendida aos necessitados, um lugar onde Minha Torá seja estudada.

"Naturalmente, Eu apenas podia colocar você nesta casa e dizer-lhe para fazer tudo isso, sem realmente dá-la a você. Mas então você faria todas estas coisas mecanicamente, como um robô. Lá no fundo, sentiria que esta não é realmente sua casa, que as coisas que está fazendo não são realmente suas conquistas. E então isso não seria realmente Meu lar, também. Seria apenas alguma coisa que Eu criei.

Eis porque Eu a dei a você. Você sente que é sua porque realmente é. Você sente que aquilo que fez dela é sua própria realização, porque é realmente. E quando você escolher, com a liberdade que lhe concedi, convidar-Me à sua casa e ficar à vontade dentro dela, então ela será realmente minha, também, do modo que Eu desejo que seja minha.

"E por favor, não roube o carro de João. Tenho uma participação em toda transação financeira que ocorre entre vocês dois. Quando você priva João da propriedade que Eu lhe dei sobre esta parte de Meu mundo, está Me privando também. Está tornando Minha posse sobre Meu mundo totalmente sem sentido."

     
   
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