Não é meu serviço
   
 
 
 

Não posso dizer que previ o colapso da União Soviética quando voltei de uma estadia de cinco semanas naquele país em 1987. Porém, também não saí de lá com a impressão de que o sistema funcionava muito bem. Chamou-me a atenção um caso que ocorreu pouco antes de minha chegada em Moscou. Um carro estacionado no pátio da sinagoga Chabad foi arrombado e peças valiosas foram roubadas. Quando o cuidador/vigilante foi confrontado com sua falha evidente em fazer sua obrigação, deu de ombros: "Meu trabalho é ver se tudo corre bem. Quando algo não corre bem - não é meu serviço!"

Lembrei-me deste incidente enquanto preparava a seção da parashá desta semana, que inclui uma história que o Lubavitcher Rebe sempre contava sobre seu antecessor do mesmo nome, Rabi Menachem Mendel de Lubavitch (1749-1826). A esposa do filho mais jovem de Rabi Menachem Mendel caíra doente, e os médicos eram unânimes em sua opinião de que não havia mais esperanças de cura. Quando Rabi Menachem Mendel foi informado do veredicto dos médicos, disse que o Talmud levanta a questão: "De onde sabemos que um médico tem permissão de curar?" e responde que isso vem do versículo (Shemot 21:19): "E ele curará." "Mas em lugar algum," concluiu Rabi Menachem Mendel, "um médico recebeu o direito ou a habilidade de determinar que um ser humano é incurável."

A pergunta do Talmud é uma dúvida bem real para o crente. Se uma pessoa é golpeada com doença apenas porque D'us determinou que ficasse doente, de que adianta chamar o médico? Não se trata apenas de "Como ousa interferir com a vontade de D'us?" - mas também um problema de "Como pode pensar que qualquer coisa que você fizer fará alguma diferença?" A resposta dada pelo Talmud é que, na verdade, o médico tem permissão de "interferir" apenas porque D'us assim o permite - mais ainda, ordena - que o médico interfira, e os esforços do médico fazem diferença apenas porque D'us deseja que os esforços do médico façam diferença.

Tudo isso levou Rabi Menachem Mendel a concluir que a autoridade e influência do médico estão rigorosamente limitadas à função que a Torá lhe deu. Ou seja, curar. Qualquer coisa além disso não é sua função.

Enquanto que doença e cura fornecem uma demonstração dramática deste princípio, o ensinamento chassídico o aplica a todas as esferas da vida: ganhar o sustento, ajudar os necessitados, etc. Temos a habilidade, o direito e o dever de fazer a diferença porque - e somente porque - D'us nos deu o poder de fazer a diferença. Mas esta autoridade tem seus limites. Quando atingimos estes limites - i.e., quando realmente fizemos tudo aquilo que está ao alcance de nosso conhecimento e capacidade fazer - o que acontece além disso está fora de nosso domínio.

Eis porque o conceito de "desespero" não recebe crédito no Chassidismo. Geralmente acredita-se que existam dois tipos de pessoas: os fatalistas e os ativistas. O fatalista afirma que as coisas são da maneira que são, e que nada que qualquer pessoa faça, na verdade, provocará alguma alteração. Portanto, não há motivo para exultação, nem para desespero (embora alguns digam que o estado do fatalista é de perpétuo desespero). O ativista, por outro lado, acredita ser o dono de seu destino, portanto exulta com suas conquistas e se desespera quando as coisas não saem da maneira que planejou, acreditando que isso resulta de sua falha em fazer acontecer o que queria que acontecesse.

O judeu é ambos e não é nenhum deles. É fatalista no sentido que acredita que seja o que for que aconteça, é o resultado direto da vontade de D'us que deveria acontecer. Mas é também um ativista: acredita que há muito que pode e deve fazer, e que aquilo que faz pode fazer diferença.

Portanto, o vigilante russo acertou em um ponto. Fazer as coisas da maneira correta - este é nosso trabalho, e a alegria e satisfação que sentimos com nossos sucessos é real e verdadeiro. Porém, quando atingimos os limites das nossas possibilidades, não é uma falha. Simplesmente significa que fizemos nosso trabalho, e agora cabe a D'us fazer o Seu.

     
   
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