Em busca de si mesmo
  Por Yanki Tauber; baseado nos ensinamentos do Lubavitcher Rebe
 
 
 

Há uma passagem no Livro de Zecharyá (Zacarias) que descreve um encontro entre um ser humano e uma revoada de anjos, no qual o ser humano é chamado "um viajante entre os estacionários."

"O Viajante" é a denominação mais apropriada para nossa incansável raça. Outras criaturas também se mudam de lugar para lugar, mas apenas as migrações do homem são motivadas pelo desejo de estar em outro local que não seja aquele no qu

al está agora. Ao contrário de camundongos, bordos e anjos, que são felizes por ser aquilo que são e por estar onde estã

o, o ser humano está constantemente a caminho - sempre se esforçando para chegar a algum lugar, de preferência onde ninguém jamais tenha estado antes.

O problema é que não há mais para onde ir.

Há um século, podia-se dizer: "Vá para o oeste, meu jovem!" - para o oeste iam os homens jovens, até que não havia mais oeste para ir. Então um homem venceu a corrida para o Polo Norte, e um outro, para o Sul. Um outro ser humano foi o primeiro a escalar o ponto culminante do Everest (embora ainda se discuta quem foi exatamente o primeiro), e um outro ainda deu "o salto gigantesco" de deixar as pegadas na superfície da Lua.

O que resta agora? Um viagem a outra galáxia? Uma incursão ao futuro? Será que estas conquistas, se e quando forem atingidas, satisfarão o espírito do Viajante?

     
 
     
 

Todos conhecemos a história do aldeão empobrecido que sonha com um tesouro enterrado sob uma ponte em Praga. Chegando na cidade grande, localiza a ponte de seus sonhos. O guarda-barreira, ao ver um homem vagando com uma pá e intenções suspeitas, confronta o mendigo, que confessa qual é sua missão. "Sonhos!" exclama o guarda. "Ora, a noite passada sonhei que na casa de Jacó, o mascate da aldeia de Usseldorf, está enterrado um baú com moedas de ouro, na parede atrás do fogão. Só por isso viajei até Usseldorf, para pôr abaixo a parede da casa de algum pobre?" Jacó corre para casa, derruba a parede atrás do fogão e vive feliz para sempre com seu tesouro enterrado.

Depois que todas as jornadas são consumadas, depois que todas as buscas são realizadas, permanece ainda uma fronteira que poucos exploraram e que menos ainda conquistaram: a fronteira do próprio "eu". Atravessamos o planeta e mais além, mapeamos o cosmos e a infra-estrutura do átomo, procurando alguma indicação, algum sinal, do que se trata; mas quantos de nós penetramos no interior de nossa alma?

Lech Lechá, as palavras introdutórias do chamado Divino a Avraham, que inicia e define a História Judaica, significa literalmente "Vá por si mesmo". "Vá por si mesmo," D'us ordenou ao primeiro judeu, "de tua terra, de teu local de nascimento, da casa de teu pai, para a terra que Eu te mostrarei."

Quando veio o Divino chamado, Avraham pôde contemplar em retrospecto uma vida de descoberta e realizações sem precedentes. Este era o homem que descobriu a verdade do D'us Único, enfrentou o rei mais poderoso de sua época, desafiou a morte numa fornalha ardente por suas crenças, e converteu milhares a uma fé e crença monoteísta. Tudo isso ele conseguiu inteiramente por si mesmo, sem um mestre, mentor ou voz celestial para dirigi-lo, com nada além de seu grande intelecto para guiá-lo, e sua busca apaixonada pela

Então, quando Avraham completou 75 anos, veio a Divina Ordem: "Vá por si mesmo!" Agora que completou suas explorações e atingiu seus objetivos, volte-se interiormente e embarque numa jornada até o âmago de seu próprio ser.

     
 
     
 

Paradoxalmente, quanto mais pessoal é a jornada, mais necessitamos de auxílio e conselhos.

Um senso de direção bem desenvolvido pode nos guiar através do sistema de estradas mais complicado; um senso social perspicaz pode negociar as políticas mais embaralhadas; os dados e padrões de aprendizagem armazenados em nosso cérebro facilitam nossa busca de novos campos de estudo. Mas quando procuramos um caminho para o interior de nós mesmos, o conhecimento e as habilidades de uma vida inteira tornam-se subitamente ineficazes. Encontramo-nos nas trevas, sem outro recurso que o de chamar nosso Criador: "D'us, quem sou eu?" clamamos. "Dá-me uma pista, diga-me por que me fizeste."

Este paradoxo está implícito na primeira instrução registrada na Torá para o primeiro judeu. Quando Avraham recebe ordens de "Vá por si mesmo," este homem engenhoso e auto-suficiente é ordenado a deixar de lado seus talentos inatos ("tua terra"), a personalidade desenvolvida em sete décadas e meia de interação com seu meio-ambiente ("teu local de nascimento"), e a sabedoria descoberta e formulada por sua mente fenomenal ("da casa de teu pai"), e seguir "cegamente" D'us até "a terra que Eu te mostrarei."

Em nossas jornadas externas, nosso conhecimento, talentos e personalidade são as ferramentas com as quais exploramos o mundo além de nós. Mas ao buscarmos nosso verdadeiro "eu", estas mesmas ferramentas - que constituem um "eu" exterior e auto-imposto por si mesmo - oculta tanto quanto revela, distorce ao mesmo tempo em que ilumina.

Empregamos estas ferramentas em nossa busca - não possuímos outras. Porém se nossa jornada deve levar à quintessência do "eu", ao invés de algo ilusório, deve ser guiada por Ele, que nos criou à Sua imagem, e esboçou o projeto de nossa alma em Sua Torá.

     
   
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