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A
Base destes Mandamentos
A idéia subjacente aos preceitos de prestar honra e reverência
aos pais, geralmente é considerada como racional e auto-evidente.
É razoável esperar que um filho reconheça aqueles
que o trouxeram ao mundo, cuidaram dele enquanto era indefeso e dependente,
se preocuparam com suas necessidades e desejos proporcionando alimento,
vestuário, abrigo e educação, ajudando-o a se tornar
auto-suficiente.
Portanto, espera-se que um filho reconheça os freqüentes sacrifícios
dos pais no decorrer da sua criação, um período que
com freqüência significa trabalho, angústia mental e
gastos.
Sentimentos sinceros de amor e gratidão, um senso de dever e piedade
e expressões de respeito podem e devem ser esperados como inclinações
naturais e inatas. O filho está apenas pagando uma dívida,
por assim dizer [Yerushalmi, ibid. Cf. Sefer Hachinuch, sec. 33].
Assim, mesmo que estas normas de comportamento não tivessem sido
prescritas por pronunciamentos Divinos, é de se presumir que a
razão humana e a ética natural inventariam um código
semelhante para o relacionamento de um filho para com seus pais.
Respeito pelos Pais – Um Princípio Religioso
No entanto, o fato de a Torá declarar o correto relacionamento
entre pais e filhos como um preceito Dvino, confere-lhe um novo caráter.
[Note a expressão em Devarim 5:16: “Honra teu pai e tua mãe
como o Eterno teu D’us te ordenou.” (Hamek Davar, Aruch Hashulchan,
Yoreh Deah, 240:2f).O fato de que “honrar” e “respeitar”
os pais sejam mitsvot da Torá imprime sobre estes preceitos um
selo de absolutismo e os torna princípios independentes.
Não importa se algum raciocínio individual ou coletivo concorda
com esta noção ou se uma sociedade específica pode
ter um padrão de ética diferente e outro código de
moralidade. No contexto da tradição da Torá é
inconcebível que haja uma “atitude calculada e bem fundamentada”
como aquela da antiga Esparta, de eliminar os pais que se tornaram “inúteis”
ou uma responsabilidade, devido à idade avançada ou enfermidade.
O caráter absoluto das mitsvot de honrar e respeitar os pais torna
os deveres filiais independentes de condições externas.
Os deveres e obrigações filiais permanecem intactos mesmo
onde não há débito a ser pago, como por exemplo,
onde os pais falharam ou se recusaram a cumprir suas responsabilidades
para com seus filhos.
Na verdade, os preceitos absolutos da Torá continuam válidos
até em relação a pais que abandonaram a Torá
[Hilchot Mamrim 5:12ff, e Shulchan Aruch 240:18.]
Assim, os deveres filiais não devem ser considerados como mera
conseqüência e desenvolvimento proporcional do exercício
dos deveres paternos. Há um significado mais profundo anexados
a estes preceitos da Torá.
O Aspecto Religioso de Honrar os Pais
Uma alusão implícita ao significado mais profundo da ordem
“honra teu pai e tua mãe” é detectada no próprio
contexto no qual esta ordem aparece. É um dos Dez Mandamentos.
Além disso, dentro do Decálogo em si é parte da primeira
das duas Tábuas. Isso é bastante significativo. Pois embora
todo o Decálogo seja de origem Divina (como é a Torá
inteira), os preceitos na primeira tábua tratam de assuntos religiosos
típicos do relacionamento entre o homem e D’us.
As mitsvot na segunda Tábua lidam com os aspectos que dizem respeito
aos relacionamentos entre seres humanos. Poderíamos esperar que
o quinto mandamento fosse agrupado junto com os últimos cinco pois
ele também lida com um tema de preocupação social.
Na verdade, porém, é agrupado aos primeiros quatro que são
de natureza puramente religiosa. Os comentaristas clássicos já
notaram isto e oferecem várias interpretações [cf.
Hadar Zekenim; Ramban; Abarbanel e outros]. Alguns sugerem que isso chama
atenção ao papel dos pais como aqueles que proporcionam
aos filhos a orientação adequada no que diz respeito às
obrigações religiosas. Porém há ainda uma
alusão mais profunda quie é independente do envolvimento
paterno pós-natal e se concentra somente na capacidade criativa
dos pais.
O relacionamento entre pai e filho é análogo, e intrincadamente
ligado, ao relacionamento entre D’us e o homem. Isso ocorre porque
ao trazer um filho a este mundo, os pais estão numa parceria com
D’us: a substância material é derivada dos pais, porém
D’us concede espírito e alma, a forma vital do homem [Veja
Kidushin 30b; Nidah 31a.].
O quinto dos Dez Mandamentos sugere implicitamente a consciência
da própria origem, o reconhecimento da razão de ser, e o
grato reconhecimento dos próprios recursos. A conscientização
sobre o papel dos pais como agentes criadores leva à contemplação
e reconhecimento do supremo Criador e Provedor de tudo: D’us. O
reconhecimento e a gratidão em seguida se estenderão da
tangibilidade imediata e visual àquela que somente se reconhece
após alguma meditação.
Por este motivo D’us credita a honra aos pais como se fossem mostradas
a Ele próprio; e de modo contrário, a negligência
em honrar os pais é considerada como um insulto a D’us [Mechilta
sobre Shemot 20:12; Sifra sobre Vayicrá 19:3].
É por isto que esse mandamento aparece na metade do Decálogo:
está mediando entre os primeiros quatro e os últimos cinco
preceitos porque está relacionado a ambos os grupos. É tanto
um princípio religioso quanto social.
O comportamento adequado para com os pais é visto como um degrau
lógico na escada que leva ao comportamento adequado para com nosso
Pai no Céu. E a concretização do supremo propósito
do homem. Aquele que considera seus pais como deveria é considerado
como se cumprisse também suas outras obrigações religiosas
[Veja Zohar III:81 b].
Analogia Entre os Relacionamentos com D’us e com os Pais
O relacionamento análogo entre honrar a D’us e honrar aos
pais é expresso mais explicitamente nos escritos rabínicos.
Os Sábios notam que estes princípios (de honrar e reverenciar
a D’us, e honrar e respeitar os pais) são igualados e assimilados
hermeneuticamente. A Torá usa linguagem idêntica para os
dois – “Assim foi ensinado” – veja nota 19; Kidushin
30 b.
Honrar os próprios pais é muito caro a Ele, por cuja palavra
o mundo veio a existir. Pois Ele igualou honrar aos pais a honrar a Ele,
e reverência (temor) aos pais a reverência (temor) a Ele,
e amaldiçoar aos pais a amaldiçoar a Ele.
Está escrito “honra teu pai e tua mãe”, e de
maneira correspondente está escrito “honra o Eterno com tua
substância.” (Mishlê 3:9) Está escrito “todo
homem temerá sua mãe e seu pai”, e de maneira correspondente
está escrito “temerás ao Eterno teu D’us.”
(Devarim 6:13). A Escritura, assim, iguala o temor aos pais ao temor a
D’us.Está escrito “e aquele que amaldiçoa seu
pai ou sua mãe”, etc., (Shemot 21:17) e correspondentemente
está escrito “todo aquele que amaldiçoa seu D’us”
(Vayicrá 25:15). A Escritura assim iguala a maldição
aos pais com a maldição a D’us. De fato, os deveres
especificos da piedade filial são derivados por analogia dos deveres
da pessoa para com D’us. Imbuído com essa idéia, o
Sábio talmúdico Rabi Joseph, quando ouvia os passos da mãe,
costumava dizer: “Eu me levantarei perante a Shechiná (Divina
Presença) que se aproxima! [Kidushin 31 a).
Na verdade, Rabi Shimon bar Yochai é da opinião que D’us
confere maior importância a honrar os pais que honrar a Ele: D’us
é honrado “com sua substância” (Mishlê
3:9) i.e., com aquilo que Ele graciosamente concedeu ao homem. Se você
tem substância, está obrigado a separar o dízimo,
cuidar dos pobres e famintos, adquirir artigos religiosos, etc.; e se
você não tem, não está obrigado a nenhum desses
itens. Porém quando se trata de honrar os pais, tenha você
ou não os meios – “Honra teu pai e tua mãe”,
mesmo que você tenha de mendigar de porta em porta para viver! [Yerushalmi,
ibid.]
Quando não Obedecer; Uma Exceção
Existe porém uma importante qualificação.O fato de
que os preceitos de honrar e respeitar os pais sejam ordens Divinas implica
não apenas a ampla extensão e importância dessas mitsvot,
como também sua limitação. É D’us que
prescreve estas mitsvot,e é a Torá de D’us que delineia
seus detalhes especificos. Estas mitsvot são, portanto, partes
integrais da Torá e sujeitas a ela. Jamais podem se aplicar a incidentes
que pudessem contrariar a letra ou o espírito da Torá.
“Todo homem deve temer sua mãe e seu pai, e guardar meu Shabat;
Eu sou o Eterno teu D’us.” A Escritura justapõe a observância
do Shabat ao temor do próprio pai a fim de ensinar que “embora
eu advirta você sobre o temor ao seu pai, se ele o levar a profanar
o Shabat não lhe dê ouvidos [e o mesmo no caso de qualquer
outro mandamento], pois “Eu sou o Eterno teu D’us” –
tanto você quanto o seu pai estão igualmente obrigados a
Me honrar, Portanto, não o obedeça se isso resultar em desobedecer
Minhas palavras.” [Rashi sobre Vaiycrá 19:3; Yevamot 5 b;
Bava Metzia 32 a].
Se os pais ordenarem aos filhos que transgridam um mandamento positivo
ou negativo da Torá, ou mesmo um mandamento de origem rabínica,
o filho deve desconsiderar a ordem. Além disso, no caso em que
o pai pede um serviço pessoal a seu filho enquanto este tem uma
mitsvá a cumprir, então: se a mitsvá pode ser cumprida
por outros, que ele a delegue a outros e atenda ao dever de honrar seu
pai, pois um mandamento não deve ser negligenciado a fim de cumprir
outro. Porém se não houver outros para cumprirem a mitsvá
(e esta não pode ser adiada), ele deve cumpri-la e desconsiderar
a honra devida ao seu pai, porque tanto ele quanto o pai devem cumprir
o mandamento. Este deveria incluir especialmente o dever de estudar Torá,
que supera aquele de honrar aos pais (Hilchot Mamrim, 6:12f, Shulchan
Aruch, ibid. 240:12f e 25 (note os comentários ad loc.).
Exemplos de “Filhos Modelos”
Citamos acima as definições legais e explicamos o que significa
honrar e respeitar os pais. O Talmud oferece algumas ilustrações
esclarecedoras tiradas da vida real para ensinar a extensão dessas
mitsvot.
É interessante notar que o filho modelo freqüentemente citado
é um não-judeu proeminente chamado Dama, filho de Netina.
Conta-se sobre ele como preferiu deixar de lado uma grande fortuna para
não acordar seu pai. O mesmo Dama certa vez vestiu uma capa de
seda bordada a ouro e estava sentado entre seus amigos nobres quando sua
mãe chegou, rasgou suas roupas e o desnudou, golpeou-o na cabeça
e cuspiu em seu rosto, porém ele não a envergonhou (Kidushin
31 a).
Sobre Rabi Tarfon relata-se que sua mãe certa vez caminhava no
jardim e sua sandália se partiu, portanto ela teria de ir para
casa descalça. Rabi Tarfon começou a estender as mãos
sob os pés dela para que pudesse caminhar sobre elas durante todo
o percurso. Um dia ele ficou doente e seus colegas foram visitá-lo.
Sua mãe disse a eles: “Rezem pelo meu filho Rabi Tarfon,
pois ele me honra mais do que mereço.”
“O que ele fez a você?” perguntaram eles. Ela contou
o que tinha acontecido. Eles responderam:
“Se ele tivesse feito mil vezes mais, não teria feito metade
da honra requerida pela Torá!” [Yerushalmi, ibid. Veja também
Kidushin 31 b].
Notando a profunda importância e o amplo alcance dessa mitsvá,
é fácil entender por que é mencionada como a mais
difícil, o “mais pesado dos mandamentos pesados.” Esta
severidade é superada apenas pelas bênçãos
Divinas correspondentes, que o homem colhe neste mundo e no Mundo Vindouro.
É por isso que Rabi Zeeyra, que ficou órfão na infância,
a princípio ficou triste e disse: “Oh, quisera eu tivesse
pai e mãe para poder honrá-los e herdar o Paraíso!”
Porém quando ele ouviu histórias como as de Rabi Tarfon,
ele exclamou: “Bendito seja o Misericordioso por eu não ter
pai nem mãe, pois eu não teria agido dessa maneira!”
A declaração de Rabi Zeeyra não significa que as
obrigações de honrar e respeitar os pais cessem com sua
morte. Estas mitsvot continuam valendo mesmo então, embora os deveres
possam ser diferentes. Mesmo depois da morte deles, a pessoa deve expressar
reverência quando mencionar os pais. A recitação do
cadish, preces memoriais [Yizkor], etc. também são atos
de piedade filial. Além disso, junto com estas práticas
ocasionais há uma maneira de observar constantemente essas mitsvot,
após o falecimento dos pais, não menos que durante sua vida,
como vemos a seguir:
Comportamento dos Filhos e Honra aos Pais
Todos devem ter em mente que seu comportamento pessoal reflete muito o
dos pais. Quando alguém leva uma vida exemplar, isso é fonte
de alegria e honra aos seus pais. De modo contrário, o comportamento
inadequado de um filho é fonte de desgraça e ignomínia
aos pais, aos seus próprios olhos e aos olhos de outros. [Veja
Berachot 17 a; Yoma 86 a; Kesubot 45 a.]. O comportamento da pessoa, portanto,
não é um assunto estritamente privado, mas está relacionado
intrinsecamente com o preceito “Honra teu pai e tua mãe.”
E assim foi ensinado:
“A Escritura declara: ‘Um filho honrou seu pai e um servo
seu amo.’ (Mal. 1:16) Um filho honrou seu pai como está escrito
‘Honra teu pai e tua mãe’ – e estabelecemos que
isso foi feito com comida, bebida e todas as coisas. Mas não pense
que depois da morte dos pais a pessoa está isenta, pois não
é assim; pois embora ele tenha morrido, o filho é obrigado
a honrá-lo ainda mais, como está escrito ‘Honra teu
pai’, etc.
“Quando o filho percorre um caminho torto ele certamente trará
desonra e vergonha sobre seus pais. Porém se ele caminha na trilha
correta e seus atos são justos, ele certamente conferirá
honra aos pais, honrando-os neste mundo entre os homens e no Mundo Vindouro
com o Eterno, bendito seja…
“Um exemplo é Rabi Elezar que honrou seu pai neste mundo
e no Mundo Vindouro. Rabi Shimon agora é honrado mais nos dois
mundos… mais que durante sua vida, por ter merecido filhos sagrados
e sagrada ascendência.
“Felizes são os justos que mereecem ter filhos sagrados e
uma sagrada ascendência sobre a qual foi dito” ‘Todos
que os vêem reconhecem que são a semente que o Eterno abençoou.’
(Yeshayáhu 61:9) Amen. [Zohar III:115 b Cf. Kalla Rabathi cap.
2; Zohar Chadash 84 c.]
Algumas Leis Básicas de “Kibud Av Va-Em”
[Além das várias leis já citadas.]
1. A pessoa deve ser muito cuidadosa em honrar e respeitar pai e mãe,
pois a Torá compara isto com honra e reverência a D’us.
2. Tanto homem quanto mulher devem honrar e respeitar os pais. No entanto,
uma mulher casada não está em situação de
suprir seus pais com suas necessidades, visto que ela depende de outros,
e portanto está isenta disso. Porém ela é obrigada
a fazer pelos pais tudo que puder, desde que seu marido não ponha
objeções.
3. A pessoa deve honrar e respeitar sua madrasta durante a vida do pai
e seu padrasto durante a vida da mãe. É correto que a pessoa
os respeite mesmo depois da morte do próprio pai ou mãe.
4. Deve-se honrar e respeitar o sogro e sogra (como vimos que o Rei David
honrou o Rei Shaul, que era seu sogro, chamando-o de “meu pai”;
veja Shmuel 24:12). Da mesma forma, deve-se honrar e respeitar os avós.
Também implícito nessa mitsvá está que se
deve honrar irmão e irmã mais velhos.
5. Se o pai ou a mãe está dormindo e a chave da loja do
filho está sob o travesseiro deles, não se deve acordá-los,
mesmo que seja para perder muito lucro. No entanto, se o pai teria algum
benefício sendo acordado, e se o filho não o acordar o pai
lamentará a perda do lucro, é dever do filho despertá-lo,
pois isso deixará o pai feliz. É também dever do
filho acordar o pai para o cumprimento de um dever religioso (que de outra
forma seria negligenciado), pois todos estão igualmente obrigados
a honrar o Todo Poderoso.
6. Se a mente do pai ou da mãe está afetada, a pessoa deve
se esforçar para ser indulgente com os esquecimentos do pai, até
que D’us tenha piedade dele. Porém se a condição
piorou e o filho não consegue mais suportar o esforço, pode
deixar seu pai ou sua mãe ao cuidado de outros, desde que seja
adequado.
7. Quando um filho vê seu pai violar a Torá, não deve
dizer “Você violou um mandamento da Torá”; mas
sim dizer: “Pai, não está escrito assim e assim na
Torá?” falando com ele como se o estivesse consultando em
vez de admoestando, para que o pai possa corrigir-se sem se envergonhar.
8. A Torá é rigorosa não apenas com respeito àquele
que maltrata ou amaldiçoa os pais mas também com aquele
que os envergonha. Pois aquele que os trata com desprezo, usando palavras
duras contra eles, ou mesmo um gesto descortês, é amaldiçoado
por D’us, como está escrito: “Amaldiçoado seja
aquele que desonra seu pai ou sua mãe.” (Devarim 27:16)
9. A pessoa deve honrar seus pais mesmo depois da morte deles. Ao mencionar
os pais depois da morte deles, a pessoa deve acrescentar: “Que sua
memória seja abençoada.”
10. Embora os filhos sejam ordenados a fazerem todo o mencionado acima
no relacionamento com os pais, o pai está proibido de impor um
jugo muito pesado sobre eles, para não fazê-los tropeçar.
Deve perdoá-los, pois um pai tem o direito de deixar passar a honra
que lhe é devida.
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