Honrar os Pais
  Por Jacob Immanuel Schochet
 

A Base destes Mandamentos
A idéia subjacente aos preceitos de prestar honra e reverência aos pais, geralmente é considerada como racional e auto-evidente. É razoável esperar que um filho reconheça aqueles que o trouxeram ao mundo, cuidaram dele enquanto era indefeso e dependente, se preocuparam com suas necessidades e desejos proporcionando alimento, vestuário, abrigo e educação, ajudando-o a se tornar auto-suficiente.

Portanto, espera-se que um filho reconheça os freqüentes sacrifícios dos pais no decorrer da sua criação, um período que com freqüência significa trabalho, angústia mental e gastos.

Sentimentos sinceros de amor e gratidão, um senso de dever e piedade e expressões de respeito podem e devem ser esperados como inclinações naturais e inatas. O filho está apenas pagando uma dívida, por assim dizer [Yerushalmi, ibid. Cf. Sefer Hachinuch, sec. 33].

Assim, mesmo que estas normas de comportamento não tivessem sido prescritas por pronunciamentos Divinos, é de se presumir que a razão humana e a ética natural inventariam um código semelhante para o relacionamento de um filho para com seus pais.

Respeito pelos Pais – Um Princípio Religioso
No entanto, o fato de a Torá declarar o correto relacionamento entre pais e filhos como um preceito Dvino, confere-lhe um novo caráter. [Note a expressão em Devarim 5:16: “Honra teu pai e tua mãe como o Eterno teu D’us te ordenou.” (Hamek Davar, Aruch Hashulchan, Yoreh Deah, 240:2f).O fato de que “honrar” e “respeitar” os pais sejam mitsvot da Torá imprime sobre estes preceitos um selo de absolutismo e os torna princípios independentes.

Não importa se algum raciocínio individual ou coletivo concorda com esta noção ou se uma sociedade específica pode ter um padrão de ética diferente e outro código de moralidade. No contexto da tradição da Torá é inconcebível que haja uma “atitude calculada e bem fundamentada” como aquela da antiga Esparta, de eliminar os pais que se tornaram “inúteis” ou uma responsabilidade, devido à idade avançada ou enfermidade.

O caráter absoluto das mitsvot de honrar e respeitar os pais torna os deveres filiais independentes de condições externas. Os deveres e obrigações filiais permanecem intactos mesmo onde não há débito a ser pago, como por exemplo, onde os pais falharam ou se recusaram a cumprir suas responsabilidades para com seus filhos.

Na verdade, os preceitos absolutos da Torá continuam válidos até em relação a pais que abandonaram a Torá [Hilchot Mamrim 5:12ff, e Shulchan Aruch 240:18.]

Assim, os deveres filiais não devem ser considerados como mera conseqüência e desenvolvimento proporcional do exercício dos deveres paternos. Há um significado mais profundo anexados a estes preceitos da Torá.

O Aspecto Religioso de Honrar os Pais
Uma alusão implícita ao significado mais profundo da ordem “honra teu pai e tua mãe” é detectada no próprio contexto no qual esta ordem aparece. É um dos Dez Mandamentos.

Além disso, dentro do Decálogo em si é parte da primeira das duas Tábuas. Isso é bastante significativo. Pois embora todo o Decálogo seja de origem Divina (como é a Torá inteira), os preceitos na primeira tábua tratam de assuntos religiosos típicos do relacionamento entre o homem e D’us.

As mitsvot na segunda Tábua lidam com os aspectos que dizem respeito aos relacionamentos entre seres humanos. Poderíamos esperar que o quinto mandamento fosse agrupado junto com os últimos cinco pois ele também lida com um tema de preocupação social. Na verdade, porém, é agrupado aos primeiros quatro que são de natureza puramente religiosa. Os comentaristas clássicos já notaram isto e oferecem várias interpretações [cf. Hadar Zekenim; Ramban; Abarbanel e outros]. Alguns sugerem que isso chama atenção ao papel dos pais como aqueles que proporcionam aos filhos a orientação adequada no que diz respeito às obrigações religiosas. Porém há ainda uma alusão mais profunda quie é independente do envolvimento paterno pós-natal e se concentra somente na capacidade criativa dos pais.

O relacionamento entre pai e filho é análogo, e intrincadamente ligado, ao relacionamento entre D’us e o homem. Isso ocorre porque ao trazer um filho a este mundo, os pais estão numa parceria com D’us: a substância material é derivada dos pais, porém D’us concede espírito e alma, a forma vital do homem [Veja Kidushin 30b; Nidah 31a.].

O quinto dos Dez Mandamentos sugere implicitamente a consciência da própria origem, o reconhecimento da razão de ser, e o grato reconhecimento dos próprios recursos. A conscientização sobre o papel dos pais como agentes criadores leva à contemplação e reconhecimento do supremo Criador e Provedor de tudo: D’us. O reconhecimento e a gratidão em seguida se estenderão da tangibilidade imediata e visual àquela que somente se reconhece após alguma meditação.

Por este motivo D’us credita a honra aos pais como se fossem mostradas a Ele próprio; e de modo contrário, a negligência em honrar os pais é considerada como um insulto a D’us [Mechilta sobre Shemot 20:12; Sifra sobre Vayicrá 19:3].

É por isto que esse mandamento aparece na metade do Decálogo: está mediando entre os primeiros quatro e os últimos cinco preceitos porque está relacionado a ambos os grupos. É tanto um princípio religioso quanto social.

O comportamento adequado para com os pais é visto como um degrau lógico na escada que leva ao comportamento adequado para com nosso Pai no Céu. E a concretização do supremo propósito do homem. Aquele que considera seus pais como deveria é considerado como se cumprisse também suas outras obrigações religiosas [Veja Zohar III:81 b].

Analogia Entre os Relacionamentos com D’us e com os Pais

O relacionamento análogo entre honrar a D’us e honrar aos pais é expresso mais explicitamente nos escritos rabínicos. Os Sábios notam que estes princípios (de honrar e reverenciar a D’us, e honrar e respeitar os pais) são igualados e assimilados hermeneuticamente. A Torá usa linguagem idêntica para os dois – “Assim foi ensinado” – veja nota 19; Kidushin 30 b.

Honrar os próprios pais é muito caro a Ele, por cuja palavra o mundo veio a existir. Pois Ele igualou honrar aos pais a honrar a Ele, e reverência (temor) aos pais a reverência (temor) a Ele, e amaldiçoar aos pais a amaldiçoar a Ele.

Está escrito “honra teu pai e tua mãe”, e de maneira correspondente está escrito “honra o Eterno com tua substância.” (Mishlê 3:9) Está escrito “todo homem temerá sua mãe e seu pai”, e de maneira correspondente está escrito “temerás ao Eterno teu D’us.” (Devarim 6:13). A Escritura, assim, iguala o temor aos pais ao temor a D’us.Está escrito “e aquele que amaldiçoa seu pai ou sua mãe”, etc., (Shemot 21:17) e correspondentemente está escrito “todo aquele que amaldiçoa seu D’us” (Vayicrá 25:15). A Escritura assim iguala a maldição aos pais com a maldição a D’us. De fato, os deveres especificos da piedade filial são derivados por analogia dos deveres da pessoa para com D’us. Imbuído com essa idéia, o Sábio talmúdico Rabi Joseph, quando ouvia os passos da mãe, costumava dizer: “Eu me levantarei perante a Shechiná (Divina Presença) que se aproxima! [Kidushin 31 a).

Na verdade, Rabi Shimon bar Yochai é da opinião que D’us confere maior importância a honrar os pais que honrar a Ele: D’us é honrado “com sua substância” (Mishlê 3:9) i.e., com aquilo que Ele graciosamente concedeu ao homem. Se você tem substância, está obrigado a separar o dízimo, cuidar dos pobres e famintos, adquirir artigos religiosos, etc.; e se você não tem, não está obrigado a nenhum desses itens. Porém quando se trata de honrar os pais, tenha você ou não os meios – “Honra teu pai e tua mãe”, mesmo que você tenha de mendigar de porta em porta para viver! [Yerushalmi, ibid.]

Quando não Obedecer; Uma Exceção

Existe porém uma importante qualificação.O fato de que os preceitos de honrar e respeitar os pais sejam ordens Divinas implica não apenas a ampla extensão e importância dessas mitsvot, como também sua limitação. É D’us que prescreve estas mitsvot,e é a Torá de D’us que delineia seus detalhes especificos. Estas mitsvot são, portanto, partes integrais da Torá e sujeitas a ela. Jamais podem se aplicar a incidentes que pudessem contrariar a letra ou o espírito da Torá.

“Todo homem deve temer sua mãe e seu pai, e guardar meu Shabat; Eu sou o Eterno teu D’us.” A Escritura justapõe a observância do Shabat ao temor do próprio pai a fim de ensinar que “embora eu advirta você sobre o temor ao seu pai, se ele o levar a profanar o Shabat não lhe dê ouvidos [e o mesmo no caso de qualquer outro mandamento], pois “Eu sou o Eterno teu D’us” – tanto você quanto o seu pai estão igualmente obrigados a Me honrar, Portanto, não o obedeça se isso resultar em desobedecer Minhas palavras.” [Rashi sobre Vaiycrá 19:3; Yevamot 5 b; Bava Metzia 32 a].

Se os pais ordenarem aos filhos que transgridam um mandamento positivo ou negativo da Torá, ou mesmo um mandamento de origem rabínica, o filho deve desconsiderar a ordem. Além disso, no caso em que o pai pede um serviço pessoal a seu filho enquanto este tem uma mitsvá a cumprir, então: se a mitsvá pode ser cumprida por outros, que ele a delegue a outros e atenda ao dever de honrar seu pai, pois um mandamento não deve ser negligenciado a fim de cumprir outro. Porém se não houver outros para cumprirem a mitsvá (e esta não pode ser adiada), ele deve cumpri-la e desconsiderar a honra devida ao seu pai, porque tanto ele quanto o pai devem cumprir o mandamento. Este deveria incluir especialmente o dever de estudar Torá, que supera aquele de honrar aos pais (Hilchot Mamrim, 6:12f, Shulchan Aruch, ibid. 240:12f e 25 (note os comentários ad loc.).

Exemplos de “Filhos Modelos”

Citamos acima as definições legais e explicamos o que significa honrar e respeitar os pais. O Talmud oferece algumas ilustrações esclarecedoras tiradas da vida real para ensinar a extensão dessas mitsvot.

É interessante notar que o filho modelo freqüentemente citado é um não-judeu proeminente chamado Dama, filho de Netina. Conta-se sobre ele como preferiu deixar de lado uma grande fortuna para não acordar seu pai. O mesmo Dama certa vez vestiu uma capa de seda bordada a ouro e estava sentado entre seus amigos nobres quando sua mãe chegou, rasgou suas roupas e o desnudou, golpeou-o na cabeça e cuspiu em seu rosto, porém ele não a envergonhou (Kidushin 31 a).

Sobre Rabi Tarfon relata-se que sua mãe certa vez caminhava no jardim e sua sandália se partiu, portanto ela teria de ir para casa descalça. Rabi Tarfon começou a estender as mãos sob os pés dela para que pudesse caminhar sobre elas durante todo o percurso. Um dia ele ficou doente e seus colegas foram visitá-lo. Sua mãe disse a eles: “Rezem pelo meu filho Rabi Tarfon, pois ele me honra mais do que mereço.”

“O que ele fez a você?” perguntaram eles. Ela contou o que tinha acontecido. Eles responderam:

“Se ele tivesse feito mil vezes mais, não teria feito metade da honra requerida pela Torá!” [Yerushalmi, ibid. Veja também Kidushin 31 b].

Notando a profunda importância e o amplo alcance dessa mitsvá, é fácil entender por que é mencionada como a mais difícil, o “mais pesado dos mandamentos pesados.” Esta severidade é superada apenas pelas bênçãos Divinas correspondentes, que o homem colhe neste mundo e no Mundo Vindouro. É por isso que Rabi Zeeyra, que ficou órfão na infância, a princípio ficou triste e disse: “Oh, quisera eu tivesse pai e mãe para poder honrá-los e herdar o Paraíso!” Porém quando ele ouviu histórias como as de Rabi Tarfon, ele exclamou: “Bendito seja o Misericordioso por eu não ter pai nem mãe, pois eu não teria agido dessa maneira!”

A declaração de Rabi Zeeyra não significa que as obrigações de honrar e respeitar os pais cessem com sua morte. Estas mitsvot continuam valendo mesmo então, embora os deveres possam ser diferentes. Mesmo depois da morte deles, a pessoa deve expressar reverência quando mencionar os pais. A recitação do cadish, preces memoriais [Yizkor], etc. também são atos de piedade filial. Além disso, junto com estas práticas ocasionais há uma maneira de observar constantemente essas mitsvot, após o falecimento dos pais, não menos que durante sua vida, como vemos a seguir:

Comportamento dos Filhos e Honra aos Pais

Todos devem ter em mente que seu comportamento pessoal reflete muito o dos pais. Quando alguém leva uma vida exemplar, isso é fonte de alegria e honra aos seus pais. De modo contrário, o comportamento inadequado de um filho é fonte de desgraça e ignomínia aos pais, aos seus próprios olhos e aos olhos de outros. [Veja Berachot 17 a; Yoma 86 a; Kesubot 45 a.]. O comportamento da pessoa, portanto, não é um assunto estritamente privado, mas está relacionado intrinsecamente com o preceito “Honra teu pai e tua mãe.” E assim foi ensinado:

“A Escritura declara: ‘Um filho honrou seu pai e um servo seu amo.’ (Mal. 1:16) Um filho honrou seu pai como está escrito ‘Honra teu pai e tua mãe’ – e estabelecemos que isso foi feito com comida, bebida e todas as coisas. Mas não pense que depois da morte dos pais a pessoa está isenta, pois não é assim; pois embora ele tenha morrido, o filho é obrigado a honrá-lo ainda mais, como está escrito ‘Honra teu pai’, etc.

“Quando o filho percorre um caminho torto ele certamente trará desonra e vergonha sobre seus pais. Porém se ele caminha na trilha correta e seus atos são justos, ele certamente conferirá honra aos pais, honrando-os neste mundo entre os homens e no Mundo Vindouro com o Eterno, bendito seja…

“Um exemplo é Rabi Elezar que honrou seu pai neste mundo e no Mundo Vindouro. Rabi Shimon agora é honrado mais nos dois mundos… mais que durante sua vida, por ter merecido filhos sagrados e sagrada ascendência.

“Felizes são os justos que mereecem ter filhos sagrados e uma sagrada ascendência sobre a qual foi dito” ‘Todos que os vêem reconhecem que são a semente que o Eterno abençoou.’ (Yeshayáhu 61:9) Amen. [Zohar III:115 b Cf. Kalla Rabathi cap. 2; Zohar Chadash 84 c.]

Algumas Leis Básicas de “Kibud Av Va-Em”
[Além das várias leis já citadas.]

1. A pessoa deve ser muito cuidadosa em honrar e respeitar pai e mãe, pois a Torá compara isto com honra e reverência a D’us.

2. Tanto homem quanto mulher devem honrar e respeitar os pais. No entanto, uma mulher casada não está em situação de suprir seus pais com suas necessidades, visto que ela depende de outros, e portanto está isenta disso. Porém ela é obrigada a fazer pelos pais tudo que puder, desde que seu marido não ponha objeções.

3. A pessoa deve honrar e respeitar sua madrasta durante a vida do pai e seu padrasto durante a vida da mãe. É correto que a pessoa os respeite mesmo depois da morte do próprio pai ou mãe.

4. Deve-se honrar e respeitar o sogro e sogra (como vimos que o Rei David honrou o Rei Shaul, que era seu sogro, chamando-o de “meu pai”; veja Shmuel 24:12). Da mesma forma, deve-se honrar e respeitar os avós. Também implícito nessa mitsvá está que se deve honrar irmão e irmã mais velhos.

5. Se o pai ou a mãe está dormindo e a chave da loja do filho está sob o travesseiro deles, não se deve acordá-los, mesmo que seja para perder muito lucro. No entanto, se o pai teria algum benefício sendo acordado, e se o filho não o acordar o pai lamentará a perda do lucro, é dever do filho despertá-lo, pois isso deixará o pai feliz. É também dever do filho acordar o pai para o cumprimento de um dever religioso (que de outra forma seria negligenciado), pois todos estão igualmente obrigados a honrar o Todo Poderoso.

6. Se a mente do pai ou da mãe está afetada, a pessoa deve se esforçar para ser indulgente com os esquecimentos do pai, até que D’us tenha piedade dele. Porém se a condição piorou e o filho não consegue mais suportar o esforço, pode deixar seu pai ou sua mãe ao cuidado de outros, desde que seja adequado.

7. Quando um filho vê seu pai violar a Torá, não deve dizer “Você violou um mandamento da Torá”; mas sim dizer: “Pai, não está escrito assim e assim na Torá?” falando com ele como se o estivesse consultando em vez de admoestando, para que o pai possa corrigir-se sem se envergonhar.

8. A Torá é rigorosa não apenas com respeito àquele que maltrata ou amaldiçoa os pais mas também com aquele que os envergonha. Pois aquele que os trata com desprezo, usando palavras duras contra eles, ou mesmo um gesto descortês, é amaldiçoado por D’us, como está escrito: “Amaldiçoado seja aquele que desonra seu pai ou sua mãe.” (Devarim 27:16)

9. A pessoa deve honrar seus pais mesmo depois da morte deles. Ao mencionar os pais depois da morte deles, a pessoa deve acrescentar: “Que sua memória seja abençoada.”

10. Embora os filhos sejam ordenados a fazerem todo o mencionado acima no relacionamento com os pais, o pai está proibido de impor um jugo muito pesado sobre eles, para não fazê-los tropeçar. Deve perdoá-los, pois um pai tem o direito de deixar passar a honra que lhe é devida.