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O
Judaísmo, com sua longa história de lidar com a alma do
homem, seu conhecimento íntimo das realizações e
pontos fracos, sua grandeza e sua fraqueza, sabiamente criou períodos
graduais durante os quais o enlutado expressa sua dor, e libera com calculada
regularidade as tensões interiores causadas pelo luto. A religião
judaica fornece uma abordagem lindamente estruturada para o luto.
A sensibilidade da Torá, juntamente com a experiência religiosa
acumulada em séculos, ensinou ao judeu como lidar melhor com a
situação de pesar. Foi somente com o surgimento da moderna
Psicologia, com suas ferramentas científicas e experimentação
controlada, que o valor dessa estrutura no sofrimento foi reconhecido.
Joshua Loth Lieberman, em seu livro Paz de Espírito, afirma: "As
descobertas da Psiquiatria – de como é essencial expressar,
em vez de reprimir a dor, falar sobre a perda com amigos e companheiros,
mover-se passo a passo novamente da inatividade à atividade–
nos lembra que os antigos mestres do Judaísmo com freqüência
tinham sabedoria intuitiva sobre a natureza humana e suas necessidades,
algo que a nossa era mais sofisticada e liberal esqueceu. O Judaísmo
tradicional, na verdade, teve a sabedoria de delinear quase todos os procedimentos
para o estado de pesar que levam em conta a saúde que a Psicologia
contemporânea aconselha, embora o Judaísmo naturalmente não
possuísse as ferramentas para o experimento científico e
o estudo sistemático."
A tradição judaica dessa forma proporcionou uma libertação
gradual do sofrimento, e ordenou cinco períodos sucessivos de luto,
cada qual com suas próprias leis governando a expressão
da dor e o processo da volta aos assuntos normais da sociedade. Encaixa-se
tão acertadamente no ciclo normal de luto que alguns afirmaram
que as leis do luto são descritivas, em vez de prescritivas.
Cinco Estágios do Luto
O primeiro período é entre a morte e o enterro (aninut),
quando o desespero é mais intenso. Durante esse tempo, não
apenas as amenidades sociais, como até exigências religiosas
positivas, foram canceladas em reconhecimento ao estado de espírito
do enlutado.
O segundo estágio consiste nos primeiros três dias após
o funeral, dias devotados a "choro e lamentação".
Durante esse tempo, o enlutado nem sequer responde aos cumprimentos, e
permanece em sua casa (exceto sob circunstâncias especiais). É
um tempo em que se desencoraja até visitas ao enlutado, pois é
cedo demais para consolar os enlutados quando a ferida ainda estão
tão fresca.
O terceiro é o período de shivá, os sete dias seguintes
ao enterro (este período mais longo inclui os primeiros três
dias.) Durante esse tempo o enlutado emerge do estado de luto intenso
para um novo estado de mente, no qual está preparado para falar
sobre a sua perda e a aceitar consolo de amigos e vizinhos. O mundo agora
se amplia para o enlutado. Embora ele permaneça dentro de casa,
expressando sua tristeza por meio das observâncias de avelut –
sentar-se num banco baixo, usar chinelos, abster-se de arrumar-se, recitar
o cadish – seus conhecidos vão à sua casa para expressar
solidariedade ao seu sofrimento. O gelo interior que vem com a morte de
seu parente agora começa a derreter. O isolamento do mundo das
pessoas e o retiro para dentro de si mesmo agora de certo modo relaxa,
e a normalidade começa a retornar.
O quarto estágio é o de sheloshim, os 30 dias que se seguem
ao enterro (que incluem a shivá). O enlutado é encorajado
a sair de casa após a shivá e aos poucos retornar ao convívio
social, sempre reconhecendo que ainda não passou tempo suficiente
para assumir as relações sociais plenas. O corte de cabelo
ainda é proibido para os homens.
O quinto e último estágio é o período de doze
meses (que inclui o sheloshim) durante o qual as coisas retornam ao normal,
e os negócios novamente se tornam rotina, porém os sentimentos
do enlutado ainda estão feridos pela ruptura de seu relacionamento
com um parente. A procura de entretenimento e diversão é
reduzida. Ao final deste último estágio, o período
de doze meses, não se espera que a pessoa continue com seu luto,
exceto por breves momentos quando yizkor ou yahrtzeit é observado.
Na verdade, a nossa tradição reprova uma pessoa por prantear
por mais tempo que este período prescrito.
Nesse processo de luto gradual, magnificamente concebido, o judaísmo
ergue o enlutado da tristeza e desespero para a retomada de seu equilíbrio
e retorno a sua vida normal.
As origens da shivá
Estabelecer um tempo para a expressão da dor está indicado
na Torá e é mencionado, de forma recorrente, em suas primeiras
narrativas históricas. O Sumo sacerdote, Aharon, é golpeado
pela morte súbita de seus dois filhos no auge de suas carreiras.
Quando Moshê pergunta por que a oferenda de sacrifício não
fora comida no dia da morte deles, Aharon responde: "Coisas assim
caíram sobre mim, e se eu tivesse comido a oferenda, isso teria
sido agradável aos olhos do Eterno?" (Vayicrá 10:20).
A explicação de Aharon é que o tempo de luto não
é uma ocasião para festejar perante Hashem; é, especificamente,
para expressar a dor.
Assim também, Amos refere-se a um período especial para
o luto. Eles profetiza as conseqüências desastrosas da injustiça
e imoralidade, e declara: "E eu transformarei seus festins em luto,
e todas as suas canções em lamentos; e trarei sacos de estopa
sobre todas as cinturas, e calvície sobre todas as cabeças;
e farei isso como se fosse o luto pelo único filho; e o fim será
um dia amargo" (Amos 8:10). O dia de chorar é yom mar: "um
dia amargo".
Os Sábios escreveram que esta era a prática nos tempos antigos,
ainda antes da Revelação no Monte Sinai, prantear intensamente,
não apenas por um dia, mas por uma semana – shivá.
Assim, Yossef foi um enlutado durante sete dias após o falecimento
do seu pai, o Patriarca Yaacov.
Após a Revelação, Moshê estabeleceu os sete
dias de luto por decreto especial, declarando-o como doutrina formal,
que até então tinha sido praticado apenas como costume.
Ele fez valer, garantiram os Sábios, os sete dias de luto assim
como fez valer os sete dias bíblicos de júbilo das Grandes
Festas. A conexão entre os dois opostos é sugerida no versículo
de Amos, acima citado: "E eu transformarei seus festins em luto."
Assim como as festas eram observadas por sete dias, também o luto
deveria durar uma semana.
Assim, desde os primeiros momentos da História Judaica, o povo
judeu tem cumprido shivá pelos parentes falecidos como "dias
de amargura". O ocasional desrespeito a shivá em algumas partes
da comunidade judaica, ou a decisão informal, sem autorização
rabínica, de observar um número arbitrário de dias
de luto para convir às necessidades da pessoa, ou para coincidir
com um fim de semana constituem, na verdade, um nocivo desrespeito a gerações
de sagrada memória. |