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Uma
das leis mais fundamentais do luto judaico (com mais de 3 mil anos) e
mais tarde registrada pelo Profeta Yechezkel), é a proibição
de trabalhar e fazer negócios durante a shivá.
O Judaísmo ao contrário de muitas culturas antigas (e algumas
modernas) considera o trabalho com dignidade, e o comércio uma
atividade adequada do homem. No entanto, o "trabalho" jamais
deve dominar o homem a ponto de este se tornar um mero parafuso na engrenagem
da sociedade. A dimensão da personalidade do homem deve incluir
seu trabalho ou carreira, mas deve também transcendê-lo.
Deve ser capaz de vivenciar os grandes momentos da vida como um autêntico
ser humano, e não restringir seu horizonte àquele de um
operário ou profissional. Portanto, o Judaísmo exige que
em momentos de grande alegria ou grande sofrimento – que exigem
concentração e meditação isolada – nós
nos abstenhamos das lides diárias.
Assim, o Profeta Yechezkel registra as palavras de Hashem: "E Eu
transformarei suas festas em luto." Os Sábios ensinaram: "Assim
como o trabalho é proibido em nossas Festas, também o é
nos dias de luto." A proibição de trabalhar durante
o luto não é semelhante àquela do Shabat, mas como
a de chol hamoed, os dias intermediários entre Pêssach e
Sucot. Obviamente, a tradição sabiamente relacionou as diferentes
motivações para a proibição do trabalho nas
Festas e durante o luto, e estas diferenças estão refletidas
nas leis de avelut.
Relacionamos em seguida as leis básicas de proibição
do trabalho durante a shivá. Devemos entender que devido a muitas
situações possíveis e obrigações comerciais,
a decisão de um rabino pode ser necessária em alguns casos.
Há muitas contingências nessa lei, e somente uma autoridade
competente e erudita pode pesar a necessidade humana e a exigência
religiosa para tomar uma decisão válida.
Geralmente, a lei declara que não se pode fazer qualquer tipo de
trabalho especializado ou geral, nem negócios empresariais ou dirigir
investimentos financeiros, seja pessoalmente ou por meio de agentes, durante
todos os dias de shivá. Incluídos nessa proibição
estão todos que são dependentes do enlutado e seus empregados
domésticos, sejam judeus ou não-judeus. Um filho de um enlutado,
que ele próprio não esteja enlutado, mesmo se já
tem idade de bar mitsvá, pode trabalhar durante a shivå,
mas somente se os lucros vão para o filho, não para o pai.
Aqueles que são economicamente independentes do pai não
são afetados pelas restrições da shivá.
1 – Se o enlutado é empregado, seja gerente, executivo, artesão
ou operário – pode colocar outra pessoa para trabalhar em
seu lugar. O empregador não deve sofrer por causa do luto de um
empregado. Da mesma forma, um enlutado, se for fazendeiro de ameia, pode
designar um substituto para que a percentagem de lucro do proprietário
não seja prejudicada. Sob circunstâncias comuns, no entanto,
aqueles que são autônomos não podem contratar substitutos
para trabalhar em seu lugar.
2 – Se o enlutado é um empregador, os empregados devem ter
permissão de trabalhar durante a observância de shivá
do seu empregador. Considera-se que eles estão trabalhando para
si mesmos, embora o enlutado também tenha lucros com o trabalho
deles. Da mesma forma, um fazendeiro que aluga os campos de um enlutado,
seja com base em porcentagem ou aluguel, ou por uma cota estipulada da
produção, pode continuar trabalhando, pois está fazendo
isso em seu próprio benefício, embora o lucro seja repassado
também para o enlutado.
3 – Se o enlutado contratou trabalho de outros antes da ocorrência
da morte, os trabalhadores podem continuar seu trabalho. No entanto, este
trabalho não pode ser realizado nas instalações do
enlutado. Porém, o enlutado não pode contratar pessoas para
novos trabalhos durante a shivá. Este princípio aplica-se
apenas a itens portáteis. O trabalho contratado em itens estacionários,
como construção de imóveis, não pode ser feito
por ninguém durante a shivá, sob circunstâncias ordinárias.
4 – Um trabalhador diarista, que recebe por hora, e não por
empreitada, sob circunstâncias ordinárias não pode
trabalhar para o enlutado durante a shivá.
5 – Se o enlutado concordou em fazer trabalho contratado para outros,
pode arranjar para tê-lo completado por terceiros, mas não
em suas próprias instalações.
O enlutado pode aceitar trabalho contratado durante a shivá para
o período após ela, mas não deve fazer acordos por
escrito ou arranjos contratuais nesse período.
6 – Itens que o enlutado alugou a outros antes da shivá podem
ser usados por eles sem restrição. Ele não pode renovar
o aluguel durante a shivá, a menos que seja numa base de renovação
automática, e o assunto não possa esperar até depois
da shivá.
7 - Lojas de varejo devem ser fechadas durante a shivá, sob todas
as circunstâncias ordinárias. Esta regra aplica-se a lojas
de propriedade individual ou sociedade. Os detalhes dessa lei são
complexos:
a – O sócio do enlutado, neste caso, infelizmente será
afetado. Ele pode trabalhar para a empresa em particular, mas não
no local de negócios, e não publicamente. Se o enlutado
é o sócio majoritário, e a empresa leva o seu nome,
não é permitido nem mesmo o trabalho privado feito pelo
outro sócio. Se o enlutado é um sócio secreto, a
opinião de muitos eruditos é de que o outro sócio
pode continuar as operações normais.
b – Se a sociedade possui mais de uma loja, e cada sócio
gerencia uma, somente a loja gerenciada pelo enlutado deve ser fechada.
c – Se um dos próprios sócios morre, a parceria é
considerada terminada, e a empresa pode operar normalmente, a menos que
seja estipulado explicitamente com antecedência, que os filhos herdarão
a parte da empresa que pertencia ao falecido. Se isso não foi declarado
explicitamente, a loja não precisa ser fechada (exceto em homenagem
ao falecido, se o sócio sobrevivente assim o desejar).
d – Se houver sócios meramente no aluguel do espaço
da loja, mas individualmente os negócios são separados,
o sócio não precisa fechar sua parte da loja. Na verdade,
num caso desses, se a família tem necessidade, o enlutado pode
deixar que outros trabalhem em sua parte da loja, mesmo porque já
está aberta, e não especificamente aberta para o enlutado.
8 – Trabalhos domésticos, como cozinhar e limpar, podem ser
realizados durante a shivá, mas somente o trabalho necessário
para aquela família específica. Isso se aplica não
somente à mulher que trabalha para os membros da família,
mas também se a residência está localizada num estabelecimento
comercial, como um hotel ou restaurante para fregueses que comem ou dormem
ali. Embora isso tecnicamente não seja considerado trabalho, deveria
ser evitado em circunstâncias ideais. Da mesma forma, enlutados
que trabalham como empregados, padeiros ou garçons (e moram no
emprego) podem, em circunstâncias críticas onde o trabalho
é absolutamente essencial, realizar as tarefas designadas. No entanto,
eles não deveriam fazê-lo até depois do terceiro dia,
e não deveriam deixar as instalações do emprego até
a conclusão da shivá.
9 – Um médico pode atender aqueles pacientes que precisam
de seus serviços durante a shivá, mesmo se houver outros
médicos disponíveis. Obviamente, o médico deveria
usar o bom senso para definir se é ou não importante fazer
uma visita domiciliar. Se houver alguma dúvida em sua mente, ele
deve atender ao paciente.
10 – Se o enlutado estava ocupado em sua empresa e por algum motivo
não soube do falecimento, não há obrigação
de informá-lo da tragédia. Como ele próprio não
sabe da morte, os membros da sua família não estão
proibidos de trabalhar. Ele e sua família podem continuar a atividade
comercial até que ele seja informado da morte. Se ele estiver fora
de casa e for notificado por carta ou telegrama, a família deve
estimar o tempo de seu recebimento, quando então ele se torna um
enlutado, e sua empresa deve ser fechada por eles.
Quando o trabalho é permitido?
Há casos que, pela própria natureza, devem ser considerados
exceções às regras normais de luto por causa dos
graves problemas que possam acarretar.
Estas exceções se enquadram em três categorias:
Os Pobres
Não se espera que ninguém sofra indevidamente como conseqüência
de observar as tradições do luto judaico, e portanto foi
providenciado um alívio para a severidade da lei. Pelo mesmo raciocínio,
os pobres não foram simplesmente agrupados em uma classe exclusiva,
dando-lhes completa isenção de todas as leis do luto. Os
fardos econômicos que podem surgir com a estrita observância
das leis foram aliviados segundo as claras provisões da tradição.
Porém o restante das obrigações do luto que não
sejam pertinentes a essa exigência, continuam valendo.
As seguintes leis aplicam-se aos indigentes enlutados. A pobreza é
definida, em termos das leis do luto, como aqueles incapazes de ganhar
seu pão diário a menos que trabalhem todos os dias.
1 – O indigente enlutado, mesmo se precisar pedir dinheiro emprestado
ou aceitar caridade, deve observar os primeiros três dias de luto:
o dia do enterro, o dia seguinte e até um curto tempo após
o nascer do sol do terceiro dia. Não pode trabalhar durante esse
tempo.
2 – Após o terceiro dia ele pode trabalhar, mas deve fazê-lo
privadamente ou com discrição, se possível. A esposa,
se for ela a enlutada, pode trabalhar em casa. Ele pode trabalhar após
o terceiro dia mesmo que lhe sejam oferecidos empréstimos ou caridade,
mas ele se recusa a aceitar essa ajuda, porque isso representa um comprometimento
de sua dignidade.
3 – Se não houver possibilidade de receber ajuda por meio
de caridade, ele pode trabalhar já no primeiro dia, mas deve se
esforçar para fazer este trabalho discretamente.
Perda grave
Não somente a pobreza, mas incorrer numa grave perda nos negócios
é base para isentar a pessoa da proibição de trabalhar
durante a shivá.
Compreensivelmente, cada pessoa tende a avaliar de maneira subjetiva a
extensão de sua perda. Aqueles que estão sofrendo muito
podem encarar a possibilidade de perder o emprego. Aqueles que estão
sofrendo medianamente podem considerar o salário de meia semana
como uma grande perda. O julgamento numa situação dessas
deveria, portanto, ser avaliado por uma autoridade religiosa.
Os seguintes aspectos serão levados em consideração:
1 – O enlutado perderá negócios para os competidores
se a loja for fechada?
2 – A shivá coincide com a temporada mais forte em vendas?
3 – As mercadorias que deixarão de ser vendidas por causa
da observância correm o risco de se estragar por serem perecíveis?
É possível que expire sua data de validade ou percam valor
após a shivá?
4 – O preço de compra do material que não pode ser
adquirido durante a shivá poderá subir se a compra for adiada?
5 – Existe a possibilidade de perder o emprego se o enlutado não
trabalhar durante uma semana inteira?
6 – Os empregados terão de ser pagos enquanto ficam sentados
à toa enquanto o empregador está de luto? Os itens alugados,
como caminhões de entrega, terão de ser pagos, embora não
estejam sendo usados?
7 – A cessação da atividade comercial causará
uma perda irreparável do capital investido?
8 – Haverá uma grande perda do lucro se os negócios
não forem realizados?
O rabino decidirá de maneira diferente, por exemplo, se alguém
for um investidor em seu tempo livre para ter uma renda extra e a perda
for pequena, ou se ele tem sua renda principal de investimentos e assim,
enfrentará uma séria crise financeira.
9 – Uma outra pessoa sofrerá perda como resultado da observância
do luto?
10 – Os aspectos administrativos do negócio, tais como envio
de faturas, etc., são tão importantes que se forem atrasados
elas poderão não ser recebidas?
11 – Finalmente, e mais importante, haverá uma extensa perda
financeira por causa da completa observância do luto?
Nos casos em que os prejuízos são considerados severos,
o enlutado deve pautar-se pela seguinte escala de preferências:
1 – O enlutado deve tentar que outras pessoas façam o trabalho
em seu lugar.
2 – Ele deve tentar adiar o trabalho até o terceiro dia.
3 – Esforçar-se para cumprir seu trabalho de maneira discreta.
4 – Se possível, deve fazer o trabalho à noite, e
observar shivá durante o dia.
Apenas sob circunstâncias excepcionais o trabalho deve ser feito
pelo próprio enlutado, ou antes do terceiro dia, ou em público.
Isso se aplica para o empregado, o autônomo, o dono de loja ou seu
sócio.
Necessidade pública
O luto pessoal deveria também não se imiscuir na condução
dos assuntos públicos. Assim, o Talmud previne contra a cessação
de estudos públicos de Torá quando o professor tem de observar
shivá em casa. O Talmud insiste para que outra pessoa ensine em
seu lugar, e se isso não for possível, exige que o enlutado
cumpra seus deveres normais. A necessidade pública, portanto, recebe
prioridade, e qualquer ruptura dessa necessidade era considerada uma contingência
excepcional. Na categoria de necessidade pública estão incluídos
os seguintes:
1 – O zelador da sinagoga, se for pessoalmente necessário
para arrumar o santuário e prepará-lo para o Shabat, ou
cuidar do enterro dos mortos na Sociedade Funerária, e não
há outra pessoa que possa agir em seu lugar, pode realizar este
trabalho durante a shivá.
2 – O professor de estudos religiosos, se não houver um substituto
disponível, não deve dispensar as classes durante a shivá,
mas ele próprio deve continuar a ensinar. Se isso puder ser feito
em sua casa, é preferível. Isso não se aplica ao
professor de matérias seculares.
3 – O shochet, ou abatedor ritual, de uma pequena comunidade que
depende dele para a carne diária, pode realizar suas tarefas após
o terceiro dia, de modo que a comunidade não fique sem carne para
o Shabat. Se não houver outro shochet ele pode voltar ao trabalho
mesmo durante os primeiros três dias. (Isso geralmente não
causa preocupação em nossa época de carnes casher
congeladas pré-embaladas.)
4 – O rabino, em sua capacidade profissional, pode decidir pontos
de lei religiosa durante a shivá, se não houver outro rabino
disponível que possa decidir sobre esses assuntos. Se houver uma
cerimônia de casamento na qual não será tocada música,
e ele for a única pessoa qualificada disponível, pode realizar
a cerimônia de maneira tão discreta e silenciosa quanto possível.
5 – Um sofêr, escriba qualificado, pode escrever uma carta
de divórcio judaico, se houver a chance de que uma pessoa do casal
renegue o acordo, ou que os procedimentos sejam rompidos por causa de
sua ausência.
6 – O mohêl para a circuncisão, e o Cohen para a cerimônia
de pidyon haben, da mesma forma deveriam cumprir seus respectivos deveres
se não houver substituto, como foi dito acima.
7 – Funcionários públicos, que são pessoalmente
indispensáveis no período de shivá, podem cumprir
seus deveres se não puderem encontrar um substituto. Da mesma forma,
militares, policiais e bombeiros, durante tempos de emergência,
quando sua participação é necessária para
o bem público, podem fazer seu trabalho durante a shivá.
Deve-se reiterar que a decisão de abreviar a prática de
shivá não pode ser feita por leigos, pessoas bem intencionadas
ou parentes "instruídos" ou funcionários religiosos
ou diretores de funerárias, mas sim por rabinos devidamente ordenados,
totalmente fundamentados na Lei e conscientes dos problemas e questões
envolvidas.
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