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“E
os vivos o levarão no coração.” – Cohêlet,
7:2
“A alma nunca morre.” – O Rebe
Em 1950, após o falecimento de seu sogro e predecessor, o Rebe
enfatizou que era importante não elogiar o falecido, mas deixar
que suas boas ações falassem por ele. Citando uma carta
que seu sogro escrevera em 1920, após o falecimento de seu próprio
pai, o Rebe explicou que um verdadeiro líder é como um pastor
que jamais abandona o seu rebanho, deixando atrás de si uma filosofia
e um curso de ação definido. De fato, ele explicou, “ele
está ainda mais presente que durante a sua vida, pois sua alma
está livre das restrições físicas do tempo
e espaço.”
O Que a Morte Realmente Significa?
Morte: A própria palavra desperta o medo no coração
das pessoas. Elas consideram a morte tão incompreensível
quanto inevitável. Mal conseguem falar a respeito, perscrutar além
da palavra em si e se permitir contemplar suas verdadeiras implicações.
Esta é uma reação compreensível, pelo fato
de que tantas pessoas pensam sobre a vida como nada mais que um estado
no qual o corpo humano está biologicamente ativo. Mas é
hora de nos perguntarmos: o que acontece após a morte, se é
que acontece? O que a morte realmente significa? Como aqueles que sobrevivem
aos entes queridos devem reagir?
O mistério da morte é parte do enigma da alma e da vida
em si: entender a morte significa realmente entender a vida. Durante a
vida como a conhecemos, o corpo é vitalizado pela alma; na morte,
ocorre uma separação entre o corpo e a alma. Porém
a alma continua a viver como sempre fez, agora livre das restrições
físicas do corpo. E como o verdadeiro caráter da pessoa
– sua bondade, virtude e altruísmo – estão na
alma, é lógico presumir que ele ascenderá a um estado
mais elevado após cumprir suas responsabilidades na terra.
A Física moderna nos ensinou que nenhuma substância realmente
desaparece, apenas muda de forma. Um árvore, por exemplo, pode
ser cortada para se fazer uma casa, uma mesa ou uma cadeira. Independentemente
da forma que tomar, a madeira permanece sendo madeira. E quando aquela
mesma madeira é queimada numa fornalha, mais uma vez muda de forma,
tornando-se uma energia que libera calor e gás. A árvore,
a cadeira e o fogo são apenas formas diferentes da mesma substância.
Se este é o caso com uma substância material, é ainda
mais com uma substância espiritual. A vitalidade espiritual no homem,
a alma, nunca desaparece; com a morte, ela simplesmente muda de uma forma
para outra, mais elevada. Isso pode ser difícil de entender a princípio,
pois somos dependentes em usar nossas ferramentas sensoriais para vivermos.
Com madeira, por exemplo, é mais fácil segurar uma cadeira
em nossas mãos que segurar o fogo; e mesmo assim, qualquer pessoa
que já tenha visto ou sentido o fogo pode duvidar que ele existe.
Não importa quais as doenças físicas que possam recair
sobre a pessoa, são apenas isso: doenças físicas.
Nada do que acontece com a carne e o sangue diminui de alguma maneira
o poder da alma, que é puramente espiritual. É inadequado,
portanto, usar o termo “após a vida” para definir o
que acontece após a morte. “Após a vida” implica
que entramos em outro local, separado, ao passo que a morte é na
verdade uma continuação da vida como a conhecemos, apenas
numa nova forma, mais elevada.
O capítulo em Bereshit que discute a morte de Sarah, por exemplo,
ee chamado “A Vida de Sarah”. O capítulo que discorre
sobre a vida de Yaacov é chamado “E Yaacov viveu”.
Como parece estranho agora chamar a morte de “Vida”!
Portanto, antes que possamos realmente responder a pergunta “O que
é a morte?” devemos primeiro perguntar: “O que é
a vida?” Por definição médica, a vida ocorre
quando o cérebro e o coração da pessoa estão
em funcionamento. Porém uma pessoa pode estar biologicamente viva
mas não estar vida; respirar, caminhar e falar são apenas
as manifestações daquilo que chamamos vida. A verdadeira
fonte da vida, a energia que permite ao corpo funcionar, é a alma.
E a alma, como está conectada com D’us, o Doador da vida,
é imortal. Embora as manifestações de vida possam
cessar com a morte, a alma continua a viver, somente numa forma diferente.
Como um ser humano pode estar conectado à vida eterna? Ao viver
uma vida material que funde o corpo e a alma, portanto conectando-se a
D’us. Uma pessoa que transforma seu corpo num veículo para
amor e generosidade é uma pessoa que nutre a sua alma eterna.
É ao dar vida aos outros que a pessoa se torna realmente viva.
Para uma pessoa para quem a vida consiste de ganhos materiais, a morte
de fato representa o fim. É a hora em que as realizações
fugidias cessam. Porém, para uma pessoa para quem a vida consiste
de ganhos espirituais, a vida jamais termina. A alma é alimentada
pela inexaurível energia das boas ações que a pessoa
realizou na terra, e segue vivendo materialmente através de seus
filhos e de outros que perpetuam sua vitalidade espiritual. Como dizem
os Sábios: “Assim como os seus descendentes estão
vivos, ele, também, está vivo.”
Muitas vezes temos dificuldade para distinguir entre vida biológica
e vida espiritual, ou verdadeira vida. Somos distraídos pelas muitas
armadilhas materiais da vida biológica. Uma vez que a alma tenha
deixado o corpo, podemos ver claramente como ela continua a viver, como
aquela alma inspira as pessoas a fazerem boas ações, educar
e ajudar o próximo, a viver uma vida espiritual e Divina. É
quando um justo parte fisicamente da terra que ele ou ela começa
a exercer a mais profunda influência.
Um rabino idoso e respeitado, quando estava muito próximo da morte,
pediu para ser levado ao salão onde pronunciava seus discursos.
“Logo estarei indo para o céu” – disse ele aos
seguidores – “mas estou deixando todos os meus escritos, e
com eles, meu espírito.”
Quando seu neto ouviu estas palavras, começou a chorar. O avô,
enfraquecido pela doença, voltou-se para ele e disse: “Emoções?
Emoções? Não. Intelecto, intelecto.”
A partir daquele momento, o rapaz pensou apenas sobre a vida da alma do
avô, não na morte do seu corpo.
O que a morte significa para os que ficam?
Embora a morte represente a elevação da alma para um nível
mais alto, mesmo assim continua sendo uma experiência dolorosa para
os sobreviventes. Ao mesmo tempo, deve servir – como devem todas
as experiências na vida – como uma lição. Devemos
ver a morte não como uma força negativa, mas como uma oportunidade
de crescimento.
Como a morte provoca emoções tão fortes, devemos
ter uma canal livre através do qual as expressamos, para que a
dor cicatrize de maneira construtiva. Quando morre um ente querido, surgem
duas emoções fortes e conflitantes: a tristeza pela perda
e confusão sobre o futuro. Os Sábios nos ensinam que seria
bárbaro não prantear, mas que não devemos prantear
por mais tempo que o necessário. Uma semana de luto é suficiente;
de outra forma, a morte da pessoa se torna uma presença em si,
continuamente nos entristecendo e impedindo nosso progresso na vida.
Mas por que devemos refrear nosso sofrimento e tristeza naturais pela
morte de um ente querido? A dor é um sentimento, afinal, e os sentimentos
não podem ser controlados, podem? Não é errado estabelecer
limites em nossa dor, ou tentar canalizá-la para uma determinada
direção?
Sim, sentimentos são sentimentos, mas podemos escolher se vamos
senti-los de maneira produtiva ou destrutiva. A chave neste caso é
entender a morte pelo que ela é, celebrar seu elemento positivo:
um enlutado deve perceber que a alma de seu ente querido agora chegou
a um local ainda mais elevado do que aquele que ocupava na terra, e que
continuará a se elevar.
É este ato de reconciliar esta percepção positiva
contra nossa dor que pode transformar a morte de uma experiência
traumática numa catarse.
Diminuir nossa expressão de dor é inadequado e doentio,
mas permitir que nosso sofrimento nos domine é esquecer de maneira
egoísta o verdadeiro significado da morte – o fato de que
a alma de um justo encontrou um lar ainda mais justo.
Como o forte vínculo entre uma mãe e filha ou entre marido
e mulher é espiritual, permanece forte depois da morte.
O luto também nos ajuda a reter este vínculo, pois a alma
de uma pessoa que partiu, eterna e intacta, vigia as pessoas com as quais
era próxima. Todo ato de bondade lhe dá grande prazer e
satisfação, especialmente quando estas ações
são feitas na maneira que ela ensinou, seja por instrução
ou exemplo.
A alma está plenamente cônscia daquilo que está acontecendo
aos amigos e parentes que ela deixou para trás. A alma fica triste
quando eles passam por sofrimento ou depressão indevidos, e se
alegra quando eles seguem em frente, além do sofrimento inicial
e continuam a construir suas vidas e a inspirar aqueles que os rodeiam.
Não há maneira de substituir um ente querido que se foi,
pois cada pessoa é um mundo completo. Porém há uma
maneira de ajudar a preencher o vazio. Quando a família e os amigos
suplementam seus costumeiros atos de bondade com ainda mais atos de bondade
em nome do falecido, eles continuam s obra de sua alma. Ao realizar estas
ações em memória de um ente querido, podemos construir
realmente um memorial vivo.
Porém depois que tudo foi feito e dito, a morte pode ser uma experiência
incompreensível, devastadora, para aqueles que são deixados
para trás. Apesar de todas as racionalizações, todas
as explicações, o coração ainda chora. E deveria
chorar.
Quando um amigo ou parente está lamentando por um ente
querido, não tente explicar: apenas esteja ali com ele. Procure
consolá-lo, e chore com ele. Não há nada que você
possa realmente dizer, pois não importa o quanto tentemos, devemos
aceitar que muitas vezes não entendemos os caminhos misteriosos
de D’us.
Peça a D’us para que chegue finalmente o dia em que não
haverá mais a morte, quando “a morte será engolida
para sempre e D’us enxugará as lágrimas de todas as
faces” (Yeshayáhu 25:8).
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