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Todo mundo gosta
de mim...
Tenho amigos no bairro e na escola e eles são tão divertidos.
Sempre riem e faço-os rir e eles dizem: "Ei, este David! É
doido! É realmente maluco." Às vezes pulo pra cima
e pra baixo e rio e danço e planto bananeira que a mulher da sala
de recreação me ensinou.
Uma vez, Herby - meu amigo - disse-me pra pular numa piscina e pulei.
Mas fiquei com muito medo, pois esqueci que não sabia nadar; a
água entrou na minha boca e afundei. Abri a boca para gritar, mas
ainda mais água entrou. Todos meus amigos fugiram, ficaram com
tanto medo.
Um velho me tirou de lá e então Herby correu e berrou: "Cuidado!
Ele é retardado." Aposto que ele ficou com medo e por isso
parecia tão malvado. Eu não sabia o que era retardado. Acho
que é quando você se afoga. Então ele disse: "Que
retardado... a gente só estava brincando quando lhe dissemos pra
pular e ele pulou! Ele é lunático, doente da cabeça."
O velho tentou pegar Herby, mas ele fugiu.
Bem, o que Herby disse não era verdade. Senti-me muito bem depois
que pus a água pra fora, não doente da cabeça ou
qualquer outra coisa. Será que quando você fica retardado
numa piscina você fica doente da cabeça?
Minha mãe ficou aborrecida quando o homem me levou pra casa. Seu
nome - a propósito - é Sr. Klein. Ele lhe disse que os garotos
da minha escola são maus comigo. Eu queria dizer que não
era verdade; eles são meus amigos. Mamãe balançou
a cabeça e depois descobrimos que o Sr. Klein era diretor de uma
escola judaica. Disse que havia outras crianças retardadas em sua
escola. Imagine só! E eu que pensava que era o único garoto
do bairro que quase se afogara.
Disse isso ao Sr. Klein e ele respondeu: "Você não sabe
o que significa retardado?" Explicou que quer dizer que não
posso pensar tão depressa quanto outros meninos. E comecei a chorar.
Herby tinha me chamado de retardado! Ele não queria dizer que me
afoguei, queria dizer que eu era bobo! Rapaz! Queria mesmo era dar um
bom soco no Herby!
De qualquer maneira, minha mãe não me deixou voltar para
o colégio e comecei a ir à escola do Sr. Klein. No primeiro
dia, um menino enorme apareceu, pegou minha mão, cumprimentando-me
e disse: "Meu nome é Yisrael. Quer brincar?" Brinquei
com ele, mas não me pediu para plantar bananeira ou dançar
ou outra coisa.
Ele perguntou se eu sabia ler; bem não sabia, mas eu já
tinha 12 anos então achei que ele ia pensar que eu era idiota se
não lesse e disse: "Sim, eu sei ler." Herby sempre ria
quando eu dizia isso, mas Yisrael disse: "Você sabe ler hebraico?"
E perguntei: "O que é isso?"
Ele pronunciou umas palavras que eu não conhecia, nenhuma delas.
Ele disse: "Quer aprender a pronunciá-las?" Eu nem mesmo
sabia o que ele dissera, mas pensei que talvez pudesse aprender. Sentamos
ao lado da cerca e ele disse a palavra Shemá umas cinqüenta
vezes e depois foi minha vez. Então ele disse Yisrael, e eu dei
uma risadinha, pois era o nome dele. Depois que eu disse Yisrael, não
me lembrei mais da primeira palavra, mas ele não disse nada.
Todos os dias, Yisrael pronunciava aquelas palavras e me falava sobre
elas. Não sei tudo o que ele disse, mas fiquei mesmo feliz em saber
que Hashem (é o nome secreto de D'us que nós, judeus, usamos)
está em toda a parte. Legal! O Sr. Klein me ouviu e fiquei nervoso,
mas às vezes eu falava certo e um dia ele disse que eu devia recitar
isso em meu Bar-Mitsvá.
Fiz com que Yisrael escrevesse Bar-Mitsvá para que eu pudesse perguntar
a minha mãe o que era e talvez eu pudesse ter um.
Ela disse SIM!
Fomos à loja e minha mãe comprou um terno, uma gravata e
um chapéu para mim. Parecia engraçado - o chapéu,
mas o Sr. Klein disse que é o que os meninos de Bar-Mitsvá
usam.
Não contei a minha mãe que eu sabia as palavras do Shemá
e que eu ia dizê-las. Queria lhe dar um presente, uma surpresa.
Yisrael treinou de novo e de novo comigo, e todas as vezes que eu fazia
direitinho abria um grande sorriso. Ele não ria de mim. Algo se
mexeu dentro de mim. Minha mãe e Yisrael iriam sorrir para mim
no bar-mitsvá e eu ia dizer o Shemá.
Logo era o Shabat de meu Bar-Mitsvá. Meu pai me vestiu e quando
deu o nó na gravata comecei a ensaiar as palavras. Segurou a gravata
e, aí, os olhos de meu pai ficaram marejados. "Você
tem areia nos olhos, pai?" - perguntei. Estava com medo, mas ele
me levou pra fora e andamos até a sinagoga.
Rapaz! Como era grande! Tinha um cheiro bom lá e o rabino ficava
dentro de uma caixa. Minha mãe se sentou lá em cima e não
podia vê-la. Muita gente veio e apertou minha mão e, por
um momento, fingi ser o rabino, cumprimentando todas aquelas pessoas.
Então Yisrael veio e me deu um sidur para segurar e um grande sorriso.
Ele é um amigão.
Quando tiraram a Torá do armário, meu pai veio para junto
de mim e a tocamos. Depois leram umas palavras. Vi o rabino chegar e ele
falou um monte de coisas que não lembro e fiquei ouvindo meu nome.
Isto deve ser o Bar-Mitsvá. Então me perguntou se eu tinha
algo a dizer.
Meu estômago doeu. O que eu ia dizer? Mas Yisrael se levantou e
segurou minha mão. Virei para ver se alguém me via tão
medroso, e todos olhavam para meu rosto. Yisrael disse docemente: "Agora!"
Um homem no fundo fez "Sssshh!" e eu lembrei "Oh!...o Shemá!"
Eu disse as palavras devagarinho e alto, de forma que minha mãe
pudesse ouvir. Quando acabei, pensei que todos iam rir, mas tudo estava
quieto. Podia ver algumas pessoas chorando! Perguntei a Yisrael se devia
dançar para alegrá-las, mas ele disse que não. Às
vezes as pessoas choram quando estão contentes. Me pareceu meio
engraçado.
Depois da reza, encontrei minha mãe. Seus olhos estavam vermelhos
e pensei que ela também tinha areia nos olhos. Dei-lhe um lenço
e perguntei se tinha gostado de meu presente. Ela pensou que era o lenço!
Mas eu disse: "NÃO! as palavras! Eu as disse para você!"
Aí piorou, a areia, e acho que ela também tinha um pouco
em sua garganta.
Foi então que decidi que quando fosse grande como Yisrael ia trabalhar
e comprar um verdadeiro presente para minha mãe. Talvez comprasse
telas para as janelas, para que a areia não entrasse e fosse parar
nos olhos de todo mundo. |