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O Ktav Sofer,
Rabino Avraham Binyamin Schreiber (1815-1875) estava eufórico.
Ele dedicou muito do seu tempo e energia nos últimos anos na luta
para proteger a vida tradicional judaica e agora a decisão do governo
era finalmente oficial: As comunidades religiosas judaicas tinham o direito
de ter seu próprio sistema de educação, sancionado
por lei.
Sentindo um alivio e alegria sem limites, ele decidiu patrocinar uma enorme
celebração de agradecimento, para a qual convidou os rabinos
lideres, estudiosos da Torá e lideres das comunidades do Império
Austro-Húngaro, todos aqueles que participaram e se beneficiariam
com a luta que foi finalmente vencida.
Provavelmente nunca houve um encontro comparável com esse em Pressburg
por toda a sua história gloriosa de grande centro de estudos e
erudição do Judaísmo. Aquela noite ficou repleta
de novas e inspiradoras interpretações da Torá enquanto
cada Rabino importante, um atrás do outro, fazia um discurso. As
horas passaram despercebidas. A comida e a bebida tornaram-se secundárias,
devido ao alto nível daquela assembléia especial.
A animação e empolgação do grupo foram crescendo
até que no seu apogeu, Ktav Sofer se levantou e começou
a falar com muito entusiasmo. Sem preâmbulos, ele anunciou que em
honra àquela ocasião especial queria compartilhar algo único
e especial com todos. Era quase possível tocar o suspense no ar,
de tão visível que estava. Não só era algo
que eles nunca tinham visto, como era algo que nunca sequer imaginariam
que fossem ver um dia.
Com todos os olhos e ouvidos focados sem parar no Ktav Sofer, ele tirou
sua carteira do bolso e retirou de dentro dela um pequeno objeto embrulhado
num pano de seda. Quando ele cuidadosamente removeu a cobertura, todos
puderam ver uma moeda de prata pequena e antiga.
“Cavalheiros”, ele disse, “meus professores, mentores,
e companheiros. Os senhores estão olhando para uma moeda de “Machatsit
HaShekel” genuína. Moedas como essa eram doadas ao Templo
Sagrado dois mil anos atrás para todos os vários propósitos
sagrados que os senhores conhecem. Eu a herdei de meu sagrado pai, de
abençoada memória; ela foi uma propriedade secreta e altamente
valorizada de nossa família por muitas gerações.
Não acredito que haja alguma outra moeda como essa em todo o mundo
atualmente. Nunca pensei em mostrá-la em público até
essa noite.”
Todos os ouvintes olharam maravilhados e paralisados. Uma moeda de meio-shekel
de verdade da época do Templo Sagrado estava na sua frente e poderiam
tocar nela! Todos queriam examiná-la de perto, senti-la, tocá-la.
A moeda passou de mão em mão. Discussões calorosas
surgiram e preencheram todo o salão: sobre seu peso, formato, a
maneira em que era usada. O volume das vozes aumentou e cresceu.
De repente, uma voz penetrou a massa de discussões rabínicas.
Um rabino que estava esperando sua vez de ver de perto a moeda, perguntou
onde ela estava. Ninguém conseguiu respondê-lo. A moeda havia
desaparecido!
Todos começaram a procurar freneticamente. Eles se jogaram e procuraram
no chão e também embaixo de cada comida e recipiente que
permaneceu na mesa. A moeda, de valor inestimável, não podia
ser encontrada em nenhum lugar. Um silêncio fúnebre baixou
no salão e todos os olhos se voltaram para o anfitrião.
O Ktav Sofer estava visivelmente aborrecido, seu rosto estava pálido
como a neve, ao ter perdido a moeda única e especial que havia
sido prezada e cuidada por sua família por muitas gerações.
Ele se levantou, girou seu olhar para cada um e um dos presentes e lhes
falou. “Cavalheiros, D’us me livre de pensarem que estou suspeitando
que alguma das pessoas honradas que estão presentes nesse salão
cometeu uma transgressão explicita da Torá. No entanto,
ficamos tão entretidos na análise da moeda de meio-shekel
e sua importância que pode ter acontecido que por erro alguém
tenha misturado essa moeda com uma moeda de seu bolso sem querer e as
tenha guardado juntas sem querer. Não temos outra escolha: com
todo o devido respeito, devo pedir que cada um de vocês esvazie
seus bolsos, carteiras, e pastas para que possamos determinar se aconteceu
algum acidente desse tipo.”
Todos concordaram rapidamente. Eles entenderam a delicadeza da situação.
Mas então uma voz foi ouvida de um dos cantos do salão.
Eram um dos mais velhos e mais respeitados estudiosos da Torá presentes
naquele salão. Ele tinha sido um líder rabínico importante
na Hungria por mais de quarenta anos. “Oponho-me a esse tipo de
busca,” ele falou, “é melhor esperar uns quinze minutos
e talvez nesse intervalo a moeda reaparecerá.”
O Ktav Sofer tinha muito respeito por esse sábio venerável.
Ele concordou com a sugestão. Os quinze minutos passaram, com uma
tensão notável, mas sem nenhuma pista sobre a moeda.
“Muito bem,” falou o Ktav Sofer, “vamos esvaziar nossos
bolsos na frente um do outro, como já havíamos todos concordado.”
Para surpresa de todos o rabino ancião novamente se opôs
e pediu um adiamento de mais quinze minutos. O Ktav Sofer mais uma vez
concordou, então novamente todos sentaram-se impacientes, esperando
pela segunda vez o tempo passar. A tensão aumentou. Muitos dos
convidados olhavam furiosamente para o velho rabino que havia causado
esses atrasos, suspeitando que ele haveria na realidade embolsado a moeda
e tinha pedido mais tempo para pensar num meio de devolver a moeda sem
ser detectado.
Finalmente o prazo acabou novamente. Assim como antes, não havia
sinal da moeda. O Ktav Sofer se levantou novamente. Podia-se ouvir tristeza
e impaciência em sua voz. “Cavalheiros, tenho o maior respeito
pelo ilustre e venerável colega. Mas não podemos mais adiar,
a busca precisa ser iniciada.”
Mesmo que todos estivessem mais ou menos esperando por isso, todos ficaram
impressionados quando novamente o velho sábio se levantou novamente
para interromper o processo. Dessa vez sua voz tremia, e lágrimas
rolavam por suas bochechas, enquanto se dirigia ao Ktav Sofer. “Por
favor, Rebe, lembre o grande amor que seu pai, de abençoada memória,
e eu tínhamos um pelo outro, e espere ainda mais quinze minutos.
Se a moeda não aparecer então, concordo que o senhor faça
como achar melhor.”
O Ktav Sofer hesitou por um instante, então assentiu com a cabeça.
A tensão no salão aumentou novamente. O velho rabino ficou
de pé no canto do salão, seus lábios se movendo rapidamente
numa oração particular e silenciosa. O Ktav Sofer se sentou
na outra ponta do salão, com sua face extremamente pálida
e marcada pela preocupação. Parecia que ele desmaiaria a
qualquer segundo. Os convidados aguardavam impacientemente a nova rodada
de eventos. Muitos esperavam que o velho rabino confessasse seu roubo.
De repente, todos os olhos se viraram para a porta. Passos apressados
podiam ser ouvidos no vestíbulo que dava no grande salão
onde todos estavam sentados agora. A porta se abriu num estrondo e o assistente
do Ktav Sofer entrou e exclamou. “Boas notícias! A moeda
foi achada.”
A multidão emocionada correu na direção do assistente.
Cada um queria verificar a presença da moeda de meio-shekel com
seus próprios olhos. A tensão espessa se dissolveu instantaneamente.
Ao invés, vozes proclamavam em alto volume: “Graças
a D’us.” “Baruch HaShem!” E assim por diante.
Acima de todo o barulho, pôde-se ouvir a voz retumbante do Ktav
Sofer, pedindo para seu assistente contar para todos como conseguiu achar
a moeda preciosa. A multidão ficou em silêncio. Todos se
voltaram para o assistente, ansiosos para saber sua resposta.
Ele sorriu. “Quando vi que todos estavam tão profundamente
envolvidos na discussão sobre a moeda de meio-shekel, decidi usar
essa oportunidade para começar a limpar as mesas. Retirei os pratos,
copos e talheres e depois removi todas as toalhas das mesas e as despejei
na lata de lixo para tirar todas as migalhas e pequenos restos de comida.
Quando ouvi que a moeda havia sumido, me preocupei achando que ela pudesse
ter ficado em cima de uma das mesas e que eu inadvertidamente a tivesse
jogado junto com as migalhas e comidas dentro da lata de lixo.
Fui até lá e comecei a remexer todo o lixo numa verdadeira
montanha de refugos. Finalmente, algo brilhante chamou minha atenção.
Aqui está o tesouro que encontrei no lixo.” Ele falou, enquanto
entregava seu precioso achado ao seu dono.
Calmamente a multidão se aquietou e a ordem foi restaurada. A maior
parte dos convidados voltou para seu lugar. Então o velho sábio
pediu permissão para falar. Todos se viraram para ele ansiosos,
percebendo que agora não tinham a menor idéia porque ele
agiu daquele modo, pedindo insistentemente para o Ktav Sofer adiar a busca
repetidamente.
“Meus queridos amigos,” ele começou, “tenho certeza
que todos esperam uma explicação para meus três pedidos
de adiamento da busca. Imagino que acharão a história fantástica.
Vejam bem, assim como nosso estimado anfitrião, eu também
tenho em minha posse uma moeda de meio-shekel genuína do tempo
do Beit Hamicdash! Ela também foi passada de geração
em geração na minha família, assim como na sua. Hoje,
em honra ao momento festivo de nossa assembléia, decidi vos surpreender
mostrando minha moeda preciosa. Mas então nosso ilustre anfitrião
e Diretor da Yeshiva, me antecipou e mostrou sua moeda, junto com a observação
que seria a única no mundo. Não quis enfraquecer a força
de sua apresentação, então deixei minha moeda no
meu bolso.
“Agora imaginem, honrados colegas, se essa busca tivesse sido conduzida
conforme as instruções de nosso nobre anfitrião.
A moeda no meu bolso seria imediatamente identificada, e certamente todos
suspeitariam, ou melhor, teriam certeza que eu havia roubado sua moeda.
Por isso tentei ao máximo adiar esse processo, rezando o tempo
todo que pelo mérito do grande Chatam Sofer de abençoada
memória, eu não tivesse que passar por tamanha vergonha
e embaraço. Graças a D’us minhas preces foram aceitas.”
Concluindo suas palavras, o sábio venerável pegou sua moeda
de meio-shekel de seu bolso, e passou para toda a audiência encantada
e hipnotizada por essa história impressionante. Todos ficaram surpresos
ao notar que era uma moeda gêmea idêntica a que pertencia
ao Ktav Sofer. Antes de começar as bênçãos
finais de agradecimento, o Ktav Sofer se levantou para falar uma última
vez. Novamente suas palavras surpreenderam os ouvintes.
“Cavalheiros, realmente acredito que o verdadeiro propósito
de nossa grande assembléia tenha sido para que tenhamos uma verdadeira
compreensão do significado da Mishná: ‘Julgue cada
pessoa favoravelmente’” (Avot 1:6). Se a busca tivesse sido
conduzida e a moeda descoberta no bolso de nosso venerável colega,
será que haveria alguém aqui no salão que poderia
dizer honestamente que não presumiria que ele houvesse roubado
a minha moeda – principalmente depois que vos influenciei dizendo
que não havia outra igual no mundo?”
“Não, esse ensinamento não é apenas palavras
como parece. Isso é a Providência Divina dos eventos inesquecíveis
dessa festa de agradecimento.” |