A floresta e a rosa

  Por Yerachmiel Tilles
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O Shabat terminara. Estrelas prateadas piscavam no céu escuro. Os chassidim tinham todos voltado para casa, e seu rebe, Rabi Leib Sarah (assim chamado por causa dos extraordinários feitos de sua mãe e das excepcionais circunstâncias cercando seu nascimento, mas esta é uma outra história) também tinha saído da sinagoga para conduzir o ritual da havdalá marcando o final do Shabat para sua família.

Pouco depois, ele retornou à sinagoga. Agitado, ficou andando para a frente e para trás, murmurando "Ora, Ora", sem parar. De repente ficou quieto, e um tremor passou pelo seu corpo. "Aconteça o que acontecer," disse Rabi Leib com determinação, "preciso fazer alguma coisa."

Saindo, ele chamou o cocheiro. Em pouco tempo estavam a caminho. O tsadic sussurrou algo no ouvido do cocheiro, e então trocou de lugar com ele, assumindo as rédeas enquanto o cocheiro foi para dentro da carruagem dormir. Quando o cocheiro acordou, o sol já tinha se erguido na manhã de domingo, e ele ficou surpreso ao descobrir que na verdade tinham cruzado a fronteira e estavam na Hungria. Ele mal podia acreditar na evidência perante os seus olhos.


O pequeno Isaac tinha apenas dez anos, mas já era o homem da casa. Seu pai, Yosseleh, falecera há pouco tempo, e sua mãe Reizel precisava desesperadamente dele para ajudar no sustento da família. Ela aceitava qualquer trabalho que aparecesse, enquanto o pequeno Isaac cuidava do pequeno bando de gansos.

Na verdade, Isaac apreciava seu trabalho. Toda manhã levantava-se cedo para rezar na sinagoga e recitar o kadish pelo pai. Levava então os gansos para um dos campos fora da cidade. Ele gostava da quietude e da paz que havia ali. Após contar cuidadosamente suas poucas aves, ele sentava-se sobre o tronco de uma árvore e desfrutava a sombra fresca sob os galhos frondosos.

Muitos pensamentos passavam pela sua cabecinha, alguns alegres, outros tristes. Naqueles momentos em que sua alma jovem explodia com uma variedade de diferentes sensações, ele abria a mochila e buscava conforto em sua amada flauta. Dela extraía uma miscelânea de melodias populares, passadas de geração em geração no interior da Hungria, e que tinha aprendido com outros pastores nos campos. De todo o seu repertório, ele gostava mais da canção cujas palavras diziam:

Floresta, floresta, como você é vasta
Rosa, oh, rosa, como você está longe
Se a floresta fosse um pouco menor
Então a rosa estaria mais perto
Se você me tirasse dessa floresta
Então ficaríamos, nós dois, juntos.


Sempre que tocava as notas dessa música, fechava os olhos e deixava que as palavras e a melodia o carregassem até um mundo de visões distantes e agradáveis.

O pequeno Isaac surpreendeu-se quando, no meio de sua canção, apareceu um judeu barbudo de aparência nobre. "O que está fazendo aqui, garotinho?" perguntou gentilmente o homem. "Estou ajudando minha mãe a cuidar dos gansos", respondeu Isaac. "Mas e quanto a estudar Torá na escola, como os outros meninos?" continuou o homem.

Isaac olhou para longe. "Não faz muito tempo, eu ainda ia ao chêder. E estava indo muito bem. Mas desde que meu pai morreu, tenho de ajudar minha mãe a sustentar nossa família."

Leib Sarah foi imediatamente visitar a viúva pobre, Reizel. Após apresentar-se, ele pediu permissão para levar Isaac com ele. "Saiba que seu filho possui uma alma muito elevada", explicou ele, "e pode tornar-se um homem notável. Mas para isso ele precisa ser criado da maneira correta, e isso significa que precisa estudar Torá intensivamente." Prometeu a ela um pagamento mensal para compensar qualquer perda de renda que a partida do menino acarretasse.

Foi preciso conversar muito, mas finalmente a mãe de Isaac concordou. Leib Sarah levou o menino para Nicholsberg, para a yeshivá da grande autoridade rabínica, o Rebe Chassídico Reb Shmelke, amigo de Leib Sarah e um daqueles do seleto círculo de discípulos do Maguid de Mezeritch. Disse a ele: "Trouxe para você uma alma especial. Espero que ajude a desenvolver seu completo potencial neste mundo." O menino permaneceu na yeshivá durante muitos anos, e cresceu para ser notável em Torá e Chassidut.

Anos depois, quando centenas de chassidim se aglomeravam na sinagoga do grande Rebe, Rabi Yitschak Isaac de Kaliv, ele às vezes relatava o longo caminho de seu desenvolvimento, da infância de guardador de gansos até o presente. Contava também sobre sua melodia favorita quando tocava a flauta de pastor: a Balada da Floresta e da Rosa.

Nessas ocasiões, ele sempre mencionava seu grande débito com o tsadic Leib Sarah, que se dera ao trabalho de "descobri-lo" e redimir esta sagrada melodia que estivera esquecida durante séculos.

"Agora, no entanto," ele sempre concluía, "as palavras são um pouco diferentes." Os chassidim ouviam atentamente, pois o talento musical do Rebe era bem conhecido.

Galut, Galut, quão vasta tu és
Shechiná, Shechiná, como estás distante
Se apenas o Exílio fosse menor
Então Tua Presença estaria mais próxima
Se Tu nos tirasses deste Exílio,
Então poderíamos estar, nós dois, juntos.

Esta canção é entoada pelos Chassidim de Kaliv, na Hungria, até os dias de hoje.

Notas:
• Rabi Leib Sarah (1730-1796) era muito considerado por Rabi Israel Báal Shem Tov. Um dos seus "tsadikim ocultos", ele passou a vida vagando de lugar em lugar angariando fundos para o resgate de prisioneiros judeus e para o sustento de outros tsadikim ocultos.
• Rabi Yitschak Isaac Taub de Kaliv (1744-1821) foi um líder na divulgação do Chassidismo na Hungria. Era conhecido como "O Doce Cantor de Israel".
       
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