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Eu
estava muito atarefado naquela manhã. Eu chefiava uma delegação
encarregada de encontrar-se com o Ministro de Educação da
Alemanha, e tinha somente 30 minutos para chegar à estação
onde os outros dois representantes da comunidade judaica de Meintz me
esperavam para tomar o trem até a capital…
Eu já havia colocado minha jaqueta quando uma voz pouco familiar
no vestíbulo pediu que eu o atendesse imediatamente. Escutei minha
esposa explicar que eu estava extremamente atrasado e sugeriu ao visitante
que voltasse no dia seguinte. "Não!" gritou a voz desconhecida.
"Amanhã será tarde demais. É urgente –
uma questão de vida ou morte!"
Corri
ao vestíbulo e convidei o estranho ao meu estúdio. "Por
favor, diga-me rapidamente qual é o problema" – disse
a ele. "Estou a ponto de sair para a estação de trens
e o táxi está me esperando."
"Sim, Rabino. Mas primeiro, Shalom Aleichem! Não me reconhece?"
perguntou o homem idoso de cabelos brancos.
"Não, desculpe-me. Mas por favor, vá direto ao ponto.
Posso conceder-lhe apenas um minuto. Você disse…"
"Sim, Rabino" – disse o homenzinho, sentando-se comodamente
numa poltrona. "É realmente uma questão de vida ou
morte. Porém estou surpreso que você não me reconheça.
Há um ano escutei um sermão que você fez em sua sinagoga.
Ai ai ai, que sermão! Cada palavra que proferia era uma jóia.
Eu tenho boa memória, Rabino. Poderia repeti-lo para você,
se quiser."
"Meu caro amigo" – contestei – "por favor,
atenha-se ao ponto. Do contrário, ficará sentado aqui sozinho,
Realmente devo apressar-me."
"Está bem, Rabino. Esta é a história…"
"Há trinta anos, casei-me com uma verdadeira "mulher
de valor". Durante 25 anos vivemos felizes. Porém, há
cinco anos minha mulher faleceu."
Aquilo estava me incomodando. "Creio que não há muito
que eu possa fazer, não? Volte amanhã e ficarei contente
em escutar a história de sua vida. Mas agora preciso ir para a
estação. Meu trem parte em alguns minutos…"
O homem idoso me agarrou pela manga. "Por favor, escute-me"
– implorou ele.
"Eu lhe asseguro, a vida de uma pessoa está em jogo. Deixe-me
continuar…"
"Há alguns anos meu filho se mudou para os Estados Unidos.
Depois que minha mulher morreu, ele me pediu para ir morar com ele. Eu
fui, mas não gostei dos Estados Unidos e voltei. Isso foi há
um ano, mais ou menos na mesma época do seu sermão. Ai ai
ai, que sermão! Cada palavras era uma pérola, uma pedra
preciosa…"
"O sermão de novo!" gritei, olhando para o relógio.
"Bem, não voltarei a mencioná-lo. Mas escute o que
ocorreu. Cheguei em casa alguns dias antes do berit milá (circuncisão)
de meu neto, e tive a honra de ser o sandek (aquele que segura o bebê).
Infelizmente, um dia antes do berit o bebê ficou doente e morreu…
"Mas não é por isso que estou aqui. Na semana passada,
minha filha teve outro filho, e de novo me pediu que fosse o sandek."
"Que o berit seja com paz e bênção" –
pronunciei, apressando-me na direção da porta.
"Mas Rabino!" insistiu o homem. "Tenho medo. Não
entende? Nem quero dizer em voz alta, mas… talvez eu não
deva ser o sandek?"
"Então deixe que outra pessoa seja o sandek!" eu disse
distraído, enquanto subia no táxi.
"E o nome? Que nome devemos dar ao bebê? Yitschac Shlomo, como
planejamos com o primeiro bebê? Ou devemos escolher um nome diferente?
Esta é uma questão de vida ou morte!"
"Você quer que eu escolha um nome?" gritei, enquanto finalmente
perdia a paciência. "Chame-o de Avraham, Baruch, Chaim, David,
Michel, Zerach…"
"Pagarei em dobro se chegarmos com tempo à estação!"
gritei para o chofer, mas era tarde demais. Assim que chegamos à
estação, ouvimos o trem que partia.
Fiquei fora de mim. Como desculparíamos nosso atraso com o Ministro?
Deveríamos ir assim mesmo? Porém os outros membros da comissão
que tinham me esperado pareciam mais divertidos que zangados quando ouviram
a causa do meu atraso. Decidimos tomar o próximo trem, que partiria
em duas horas.
Depois, quando voltamos à estação, o lugar estava
um alvoroço. O trem que tínhamos perdido sofrera um terrível
acidente. Muitos passageiros morreram e outros tantos estavam feridos.
Olhando em retrospecto, o homem com sua história interminável
foi um emissário enviado por D’us para salvar nossas vidas.
Portanto, tinha sido uma questão de vida ou morte…
O Ministro ficou muito angustiado por nós, e se alegrou quando
soube que não tínhamos tomado aquele malfadado trem. A missão
da delegação foi concluída com êxito.
Dois anos depois, eu atravessava uma aldeia e algumas pessoas foram saudar-me.
Parado na fila, estava nada menos que o meu velho amigo, o pequeno homem
de cabelo branco.
"Shalom Aleichem! Lembra-se de mim? Há alguns anos, escutei
um discurso feito por você. Ai ai ai, que sermão!" O
homenzinho tinha um garotinho nos braços.
"Este é o meu neto, Avraham-Baruch-Chaim-David-Michel-Zerach."
"Tantos nomes?" perguntei surpreso.
"Mas você mesmo sugeriu que lhe déssemos estes nomes!"
contestou o homem.
"Eu tenho uma memória excelente. Posso repetir o sermão
inteiro, palavra por palavra, se o senhor quiser. Ai ai ai, que sermão…"
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