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Quando
saí pela porta da nossa casa novinha em folha eu estava sorrindo
como um gato quando avista uma tigela de leite. Toquei a mezuzá
no batente e caminhei pela passagem lateral que leva à rua que
passa na frente da minha casa. Após dar cerca de três passos,
meus olhos começam a lacrimejar, meu rosto fica rubro e meus dedos
começam a congelar como salsichas congeladas.
"Deve estar fazendo 10 graus negativos aqui fora" – pensei
comigo mesmo.
Quando
minha mulher Linda e eu nos mudamos para Reno, Nevada, tivemos sorte de
encontrar uma casa a 3 quilômetros de distância da Sinagoga
Chabad. Como nunca tínhamos morado perto de uma sinagoga antes,
eu estava empolgado com a chance de apreciar uma rápida caminhada
no Shabat até a sinagoga todas as semanas. Ora, não é
incomum para mim caminhar 4 ou 5 quilômetros quando me exercito
na esteira, portanto eu sabia que andar três quilômetros até
a sinagoga no Shabat seria moleza. No entanto, devo admitir, eu nunca
andara na esteira numa temperatura daquelas, com um vento soprando como
uma rajada direta sobre o meu rosto. Após caminhar uns 100 metros,
parei e refleti sobre a idéia de voltar e pegar o carro para ir
à sinagoga.
"Quem saberia" – perguntei a mim mesmo. "Você
saberia" – respondi sem hesitar.
Enquanto eu fazia uma pausa para analisar minha situação,
meu bom amigo Desmond Rotehnberg apareceu de repente na minha cabeça.
Des, como gosto de chamá-lo, é o gabai da Sinagoga Chabad
em Wilmington, Delaware. Ele é o sujeito que chega cedo à
sinagoga no Shabat, certifica-se que todas as cadeiras estão perfeitamente
alinhadas, todos os sidurim estão empilhados na prateleira e que
a sinagoga está pronta para o minyan.
Durante minha última visita a Wilmington, fui ao bar mitsvá
de outro amigo, o jovem Davi Vogel. Não é preciso dizer
que nos divertimos muito celebrando o dia especial de Davi. Parentes e
amigos do mundo inteiro foram para escutar Davi liderar a reza, ler na
Torá e cantar sua Haftará. Após uma tarde de celebração
e alegria, o sol finalmente se pôs, as estrelas iluminaram o céu
e aqueles que permaneceram na casa dos Vogel participaram na cerimônia
da Havdalá, que assinala oficialmente a conclusão do Shabat.
Eu tinha aproveitado uma promoção da companhia aérea,
e voltaria a Nevada num vôo tarde da noite. Quando eu estava saindo,
ouvi alguém dizer: "Já é tarde, alguém
pode dar uma carona a Des até sua casa?" Eu ainda tinha 4
horas para pegar o avião, portanto ofereci-me alegremente. Presumi
que ele morasse perto, pois tinha sido o gabai desde a primeira vez que
eu entrara na Sinagoga Chabad de Delaware, há muitos anos.
Des e eu entramos no meu Ford Focus alugado e começamos nossa jornada.
Os primeiros quilômetros passaram, e mais alguns. Após 6
quilômetros eu perguntei: "Perdemos alguma entrada, pois já
andamos mais de seis quilômetros?"
Ele
riu e disse:
"Steve, pode seguir em frente."
Quando já tínhamos rodado oito quilômetros eu vi um
sinal na beira da estrada: "Bem-vindo à Pensilvânia."
Meu coração disparou! Com a paisagem de Delaware desaparecendo
rapidamente no espelho retrovisor, eu disse: "Des, onde exatamente
você mora?" Ele respondeu: "Moro a mais três quilômetros
estrada abaixo. Vá até o segundo farol, entre à direita
e teremos chegado."
Incrédulo, eu perguntei: "Você mora a dez quilômetros
da sinagoga e vai e volta a pé todo Shabat?" Ele disse: "É
apenas uma boa caminhada, Steve".
Quando finalmente encostei na frente da casa dele eu disse: "Des,
você faz toda esta caminhada, atravessa a fronteira entre dois estados,
seja com neve ou chuva?" Ele riu: "Bem, quando neva ou chove
eu apenas ando mais depressa!"
Olhei para ele e balancei a cabeça, admirado. Demos um aperto de
mão como despedida, desejamos boa sorte um ao outro e nos separamos.
Enquanto ele se dirigia para a porta de entrada, eu estava admirado pelo
seu comprometimento.
Todo Shabat ele anda dezoito quilômetros, passa por dois estados
e ainda consegue verificar se a sinagoga está perfeita antes que
chegue o restante da congregação. Eu, por outro lado, reclamo
se meu chá está um pouquinho frio!
A lembrança deste encontro bombardeava meu cérebro, enquanto
eu estava ali no topo de uma ladeira em Reno, sentindo pena de mim mesmo
porque minhas orelhas estavam um pouco geladas e o vento uivante desmanchava
meu cabelo. Pensei em Des e seu compromisso inabalável com suas
crenças, sua sinagoga e seus amigos. O mantra de Des, "É
apenas uma boa caminhada" seria agora meu mantra. Inspirado pelo
seu exemplo eu sacudi fora os arrepios, soprei nas mãos para aquecê-las
e comecei a descer a ladeira. À medida que os metros se tornavam
dezenas, as dezenas e centenas de metros, e depois quilômetros,
meu corpo começou a se aquecer. Os braços e pernas bombeavam
como uma equipe de corrida. Vi-me cobrindo rapidamente a distância
entre minha casa e a sinagoga.
Antes que você pudesse dizer "Por favor, passe-me o kuguel",
eu estava abrindo a porta da sinagoga. Ali de pé, com um grande
sorriso no rosto, estava o Rabino Mendel Cunin. Ele cumprimentou-me calorosamente
e disse: "Shabat Shalom, Steve. Olhei pela janela e vi você
andando rapidamente para cá. Não está um dia maravilhoso
para uma boa caminhada de Shabat?"
Penando em Des, eu disse: "Foi uma boa caminhada, Rabino."
Após concluirmos a reza de Shacharit, Rebetsin Sara Cunin serviu-nos
um suntuoso kidush. Enquanto eu mastigava um delicioso arenque, um caprichado
cholent e outras delícias variadas, Rabino Cunin perguntou-me sobre
a minha caminhada na manhã gelada. Relatei minha história
sobre o meu bom amigo Des, e todos ficaram maravilhados com a sua dedicação.
Ao final do kidush eu desejei Shabat Shalom e todos e peguei meu caminho
de volta colina acima.
Logo descobri que descer três quilômetros de uma colina é
muito mais fácil que subir três quilômetros colina
acima. Graças ao espírito do Shabat e meu inspirador amigo
Des, consegui chegar em casa. Cerca de dois meses depois eu estava saindo
da sinagoga para minha caminhada, colina acima, quando um amigo do nosso
minyan parou-me e perguntou se havia casas à venda perto da minha.
Eu disse a ele que havia algumas muito boas disponíveis no momento.
Lembrei a ele que eu vivia a cerca de três quilômetros dali.
Ele disse que isso não o incomodava, e que se achasse o lugar certo,
poderíamos caminhar juntos até a sinagoga.
Nos despedimos e comecei a subir.
Enquanto eu passava pelas ruas sinuosas que levavam a minha casa, maravilhei-me
pela série de eventos que tinham ocorrido recentemente. Uma oportunidade
"ao acaso" de dar uma carona a um amigo após uma celebração
tinha, por seu exemplo, inspirado amigos e estranhos a milhares de quilômetros
de distância. É claro que se você perguntar a Des,
ele apenas dará de ombros e dirá: "É apenas
uma boa caminhada!"
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