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O
vôo da United para Filadélfia mal tinha deixado a pista em
Portland quando eu tirei meu Chumash, coloquei meus fones de ouvido e
toquei a fita que Rabi Vogel tinha me enviado para estudar para minha
Haftará. Não pude deixar de sorrir quando ouvi suas primeiras
palavras: "OK, Shloma Yakov, aqui está a fita, estou certo
de que você será fantástico!"
Fantástico
mesmo. Eu tinha estudado durante seis meses e não importa o quanto
tentasse, simplesmente não conseguia memorizar as melodias de haftará.
Seis meses antes, durante Simchat Torá, eu tinha feito uma promessa
que cumpriria uma mitsvá: a de estudar e cantar a haftará
que eu deveria ter apresentado no meu bar mitsvá 33 anos antes.
Infelizmente, naquela época eu era um estudante tão ruim
na escola de hebraico que meu piedoso professor Rabi Lapidut sabiamente
me aconselhara a limitar minha parte a uma aliyah matinal e mais tarde
liderar o serviço de minchá daquele dia. E mesmo aquilo
tinha sido um enorme desafio.
Obviamente a vida tinha mudado desde que eu descobrira Chabad, e recitar
a haftará da minha juventude tinha parecido uma boa idéia
enquanto eu estava dançando com a Torá e cantando com meus
amigos em Simchat Torá. Mas agora estava quase na "hora do
jogo" e eu simplesmente não estava pronto. Até enquanto
eu estava praticando no avião, subconscientemente estava procurando
a desculpa certa para cair fora daquilo. "Eu tinha negócios
a resolver em Minnesota e não pude voltar a Delaware, ou um alce
atropelou meu carro na ida para o aeroporto e perdi o avião."
Eu estava desesperado para evitar fazer papel de tolo na frente da família
e dos amigos em junho.
Enquanto eu estava ali sentado, cheio de dúvidas, uma senhora de
meia-idade passou, olhou para meu Chumash aberto, olhou para mim e depois
continuou andando. Pouco depois ela passou de novo, olhou para o Chumash,
novamente para mim, e seguiu andando. Repetindo isto por uma meia hora,
ela finalmente parou na minha frente e fez um sinal para eu tirar os fones
de ouvido. Ela disse: "Não é com freqüëncia
que se vê alguém lendo um livro em hebraico num avião.
O que você está lendo?" Expliquei que estava praticando
para minha haftará.
Ela
sorriu e sem ser convidada, sentou-se ao meu lado e começou a contar-me
a história de sua vida. Era médica aposentada, morava em
Los Angeles e juntamente com seu marido estava a caminho da Filadélfia
para visitar o filho. Após uns 45 minutos, ela voltou à
sua poltrona e começou a conversar com o marido. Em seguida ele
levantou-se e foi falar comigo. Tirou do bolso um velho artigo de jornal
e deu-me para ler. Ele explicou que a foto no artigo era da classe na
escola de seu primo na Hungria, durante a Segunda Guerra. Ele apontou
para o primo e disse que ele fora o único membro da classe que
tinha escapado quando os nazistas invadiram sua aldeia. Ele achou que
como eu estava estudando para minha haftará, talvez gostasse de
ler o artigo.
A história comoveu-me, mas fiquei intrigado sobre o porquê
de ele pensar que tinha uma conexão com minha haftará. Quando
o avião aterrissou, a médica e seu marido se despediram
e desapareceram na multidão do aeroporto.
Após apanhar minha bagagem, aluguei um carro, peguei a estrada
e dirigi rumo sul, até o Chabad de Delaware, onde o segundo filho
de Rabi Vogel, Arelê, celebraria seu bar mitsvá. Quando atravessei
o limite do estado de Delaware, quase podia sentir o aroma do delicioso
kuguel da Rebetsin no forno!
A noite seguinte, Shabat, foi de completa alegria enquanto amigos e membros
da família rezavam, faziam kidush, comiam, riam e cantavam juntos.
Na manhã seguinte, Arelê nos deixou orgulhosos liderando
a reza, lendo da Torá e cantando uma haftará magnífica.
Quando terminou a reza, a celebração começou para
valer, com um farbrenguen completo. Cada participante da mesa dividia
idéias e sabedoria sobre a parashá, as responsabilidades
que um rapaz assume no seu bar mitsvá e diversas discussões
sobre espiritualidade e engajamento.
Em meio às festividades, Rabi Vogel pediu ao seu pai, Reb Noson
Vogel, para relatar sua fuga miraculosa dos nazistas, no último
barco saído de Calais, na França, antes de os nazistas dominarem
o país. Depois de muito encorajamento por parte de todos, Reb Vogel
concordou. Ele descreveu como, naquele dia fatídico, que "coincidentemente"
fazia 61 anos exatos no dia do bar mitsvá de Arelê, sua irmã
tinha convencido um guarda a deixar que ela e a família escalassem
secretamente uma parede do navio e embarcassem antes que ele deixasse
o porto. Como no final eles foram quatro, das menos de cem almas, que
tinham escapado das garras dos capangas de Hitler naquele dia. Ele falou
sobre a angústia de deixar o porto, enquanto milhares ficavam nas
docas, sua última esperança de sobrevivência desaparecendo
lentamente no horizonte.
Ele explicou que somente através da bênção
de D’us ele e a família puderam escapar das mãos dos
nazistas, e como ele tinha dedicado a vida a frustrar o supremo plano
de Hitler, promovendo e apoiando a educação judaica no mundo
inteiro. Alguns anos após partir de Calais, Reb Vogel estabeleceu
a High School Lubavitch para meninos e a Yeshivá Lubavitch em Londres,
enviando centenas de rapazes para divulgar o Judaísmo nas comunidades
judaicas em todo o mundo. Ele prosseguiu dizendo que a cada mitsvá
cumprida, com cada bar mitsvá celebrado (incluindo aqueles dos
seus maravilhosos netos), e com cada novo menino ou menina educado, ele
de alguma pequena maneira assegurava que não somente o povo judeu
sobreviveria espiritualmente, mas iria florescer no mundo pós-Hitler.
Quando terminou o Shabat e estava na hora de voltar ao Oregon, eu tinha
uma nova paixão no meu coração. Quando iniciei esta
jornada, estava temeroso de "parecer tolo" na frente dos meus
amigos, porque o tom da minha haftará não era perfeito.
Após conhecer o casal no avião e escutar as palavras de
inspiração de Reb Vogel, eu percebi que estudar e cantar
a haftará era mais importante do que eu tinha imaginado.
Eu vi que, independentemente da qualidade melódica da minha haftará,
era imperativo completá-la. Pois cada nota da minha haftará
e as milhões que outros cantam e cantarão servem para nos
lembrar que, apesar da má intenção dos faraós,
dos Hamans e dos Hitlers da história, o espírito do povo
judeu sempre brilhará em todo o mundo. Eles asseguram que as lágrimas
derramadas pelo único sobrevivente de uma escola na Hungria não
foram em vão. Que a determinação e fé que
um garoto judeu e sua família demonstraram ao subir no último
navio deixando a Alemanha de Hitler servirão para sempre como um
farol de esclarecimento para meninos e meninas judeus, aprofundando seu
apego ao estudo e modo de vida judaico.
Quando me sentei novamente, não pude deixar de me maravilhar pelas
duas histórias dolorosas, mas inspiradoras, que tinha ouvido naqueles
últimos dias. Agradeci a Hashem por estas bênçãos
maravilhosas, peguei meu Chumash, ajeitei os fones de ouvido e voltei
ao trabalho.
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